Ser brasileiro é saber se reinventar diante da adversidade e a ainda sorrir da nova situação. Essa adaptação tem sido necessária nesses tempos de pandemia: a cada hora vamos aprendendo a lidar com essa surpreendente forma de vida com restrições e regras de distanciamento social.
Em meio a essas sérias mudanças do nosso cotidiano, vários profissionais se viram impossibilitados de realizar seu ofício. Os artistas, que são exemplo disso, além de não conseguirem garantir seu sustento, não podem se entregar aquilo que os faz habitar este mundo que por meio da arte.
Como viver é um eterno “rasgar-se e remendar-se”, como já afirmou o escritor Guimarães Rosa, às plataformas digitais viraram os novos palcos para a interação dos artistas com o seu público. A palavra “Live” se tornou comum ao nosso cotidiano. São nessas apresentações virtuais que a arte tem perpetuado uma luta com a Covid-19 e mostrando que pode ultrapassar o caos.
Talvez, por ser questionador do novo, mesmo apaixonado pela música e sabendo que a forma de assistir meus artistas seria por meio da internet, relutei muito a assistir a sensação desses shows “ao vivo” transmitidos pelas redes sociais. Mesmo sem viver a experiência achava tudo muito frio, sem qualquer calor humano no qual a arte exige. Felizmente descobri que estava errado.
Uma oportunidade para o novo
Em uma noite de sábado uma amiga me enviou um link de uma “live” da cantora Teresa Cristina, mesmo gostando bastante de seus trabalhos anteriores cantando Cartola e Noel Rosa, confesso que resolvi assistir devido por falta de opção. Depois de três horas de muita música, sensibilidade e irreverência, terminei emocionado com tamanho brilho e grandeza. Naquele momento e diante aquela possibilidade, vi aquele tipo de apresentação como uma luz brilhando nos dias escuros de isolamento.
Teresa Cristina tem nome de imperatriz, mas acabou se tornando “rainha” da quarentena. Ao longo desses mais de seis meses, ela reproduz em seu instagram shows ecléticos do que há de melhor na música brasileira e até internacional. Tudo isso sem qualquer acompanhamento instrumental, livre de amarras ou roteiros formais. A ideia é vista de forma tão amadora e natural que o público se sente íntimo e integra aquele grande espetáculo.
A resistência da mulher negra, do subúrbio carioca resplandece na revolução musical que ela vem causando nesses últimos meses.
As apresentações começam pontualmente às 22 horas e logo atingem os mil espectadores que vibram nos comentários louvando a cantora. Cada noite exige uma temática que aparentemente é a única regra que guia a escolha de repertório que vai ser interpretado.
Não admire ao encontrar entre os espectadores animados figuras ilustres da nossa música que, propositalmente ou não, pedem para entrar naquela festa e dão um show a parte. Nesses mais de 180 dias de “saraus virtuais”, a “TT”, como seus fãs a costumam chamar, já dividiu tela com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Benito de Paula, Baby do Brasil, Alceu Valença, Ronaldo Bastos, Zeca Pagodinho dentre outros.
A pluralidade é algo comovente que nos faz viajar. Em um mesmo espetáculo podemos assistir uma linda homenagem a eterna Elis Regina, por exemplo. O choro termina porque seria inevitável ao assistir a decana Áurea Martins cantando “Altos e Baixos” composição da grande Suely Costa ou na participação da Simone Mazzer pondo sua voz em “As aparências enganam” pérola esquecida do repertório refinado da “Pimentinha”.
Vale destacar também que nestas agitadas noites de sons e sentimentos foi criada uma modalidade chamada “Duelo Musical”, protagonizada pela própria Teresa competindo com a perfeição de voz chamada Mônica Salmaso. Em tom de brincadeira, mas sabendo o tamanho da responsabilidade, as artistas se “desafiam” e presenteiam o público do que há de mais valioso na música popular brasileira.
Além das figuras conhecidas do grande público, a cantora apresenta jovens talentos com a flautista Ana Paula Cruz, que faz a abertura de várias de suas apresentações, ou a técnica em química Silva Borba, que por meio das lives da amiga foi descoberta como cantora para todo o Brasil.
Uma revolução musical
Assistir às lives da sambista foi um dos pontos altos desse período de isolamento, podendo até escolher como momento de calmaria no meio da rotina conturbada por incertezas. Em cada noite no qual acompanho entusiasmado aprendo que o talento se pode mostrar de qualquer forma, e quando ele existe, não há distância que o faça perder seu brilho.
Ser cantor não é só ser afinado, mas precisa ter empatia com o público, ser íntimo sem perder a altivez e conquistando uma plateia sincera e cativa.
Mesmo não sendo uma das vozes que marcam, Teresa Cristina está gravando seu nome na história da nossa cultura popular contemporânea, sabendo se adequar ao novo sem perder sua identidade. Sua arte se faz presente como um ato de esperança aos que desejam sonhar.