A árvore diante de minha janela, repentinamente, amanheceu florida. Passou meses desfolhada, desde setembro até agora, só tronco e galhos. Não fosse o frio do inverno europeu lá fora, o mundo tiritando por trás da vidraça, dir-se-ia que aquela, nos últimos meses, era uma visão da caatinga nordestina. Marrom pálido, o esqueleto vegetal parecia morto, inanimado, supostamente para sempre ressequido, como um espinheiro dos Inhamuns.
Mas o equinócio, neste final de março, cuidou de mudar o cenário. A folhagem verde se recompôs em um átimo, as pequenas e abundantes flores brancas, surgidas da noite para o dia, hoje contrastam com um céu de descomedido azul. A cada rajada de vento, uma nuvem de pólen rodopia sobre a rua, recobre os automóveis estacionados, desenha tapetes nas calçadas, acumula-se ao meio-fio.
Gosto de observar essas nuances, os jogos de luzes naturais, as mudanças trazidas por uma nova estação. Na praça ao lado de casa, a grama — ou a relva, como aqui se diz, tão belamente — está salpicada de cores e perfumes. Este ano, por coincidência, o tão aguardado renascimento da paisagem marcou encontro com um alívio adicional.
Portugal, aos poucos, sai do confinamento imposto pela Covid-19. Há dois meses, os números locais eram aterradores. Os portugueses contavam os mortos diários às centenas; os infectados, aos milhares. O sistema de saúde beirou o colapso. Diante dos hospitais, acumulavam-se filas de ambulâncias e, dentro delas, pacientes asfixiados.
Frente ao avanço assustador da epidemia, o país foi obrigado a parar. Lojas, escolas, escritórios, academias, bares e restaurantes fecharam. Viagens entre cidades vizinhas foram interditadas. Para qualquer eventualidade de sair à rua, apenas com o uso obrigatório da máscara de segurança.
À hora em que escrevo este texto, os resultados das medidas de contenção falam por si. Nas últimas 24 horas, foram seis mortos. Os internados, que beiravam os sete mil em fevereiro, são hoje pouco mais de seiscentos. Salvaguardados pelos índices atuais, os lusitanos retornam de forma gradual e, cautelosa, a um estado de relativa normalidade.
Os cuidados, é claro, persistem, enquanto o início do programa de vacinação em massa acena, em um futuro tomara próximo, para a imunização geral da população. Daqui a dois dias, será abril, mês de tamanha significação para os portugueses. Por certo, ainda não terá chegado a hora de confraternizar e celebrar, pelo menos em praça pública, mais um aniversário da Revolução dos Cravos.
De todo modo, as flores — não só os cravos vermelhos, mas as de incontáveis cores e espécies — já estão por todo lado. A exemplo dessas que brotaram na árvore diante de minha janela. A imagem é gasta, quase um clichê. Mas a verdade é que ninguém pode mesmo deter a chegada da primavera.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.