Um presente de minha mãe para os 18 anos de minha filha

Duas datas. Uma triste; outra feliz. Ontem, fez quatro anos que minha mãe, Dona Darcy, se foi para sempre. Muita dor e saudade por sua ausência. Hoje, Emília, minha filha, completa 18 anos. Alegria e riso por seu dia.

Infelizmente, avó e neta se conheceram pouco. Morando em cidades diferentes, uma em Fortaleza; outra em São Paulo — depois em lados opostos do Atlântico, uma no Brasil; outra em Portugal —, tiveram raras chances de estreitar laços: alguns natais em família, férias de meio de ano, viagens esporádicas, não muito mais.

Nisso tudo, espanta-me a celeridade do tempo. Até há pouco, eu próprio era um menino, aninhado no colo de minha mãe. Sinto falta de seus abraços, chamegos, carinhos. Da sua presença serena, de suas palavras de conforto e paz.

Minha filha, até dia desses um bebê rechonchudo, agora é uma adulta, prestes a entrar na faculdade. Admiro-lhe a inteligência, a sensibilidade, o talento incomum. Desde muito pequenina, dizia querer ser artista — hoje estuda artes e faz planos de futuro.

Às vezes, diante do espelho, penso encontrar em meu rosto traços que foram de minha mãe, Darcy. Pois olho para Emília e constato um ou outro detalhe que também, creio, são meus. “De tudo, fica um pouco”, dizia o poema de Drummond. “Fica um pouco do teu queixo no queixo de tua filha”, sugeriam os versos do poeta.

Daqui a dois anos serei um sexagenário. Estranho que, quando jovens, semelhante ideia — envelhecermos, inexoravelmente — jamais nos ocorra. Sabemos, é claro, que o tempo passará e um dia teremos de prestar contas com a vida, quando então seremos confrontados com a soma de nossos erros e acertos, vícios e virtudes, cuidados e descasos — para conosco e com os outros.

Mas nunca imaginamos que tudo se dará assim tão rápido, abreviado, implacável. Fecha-se o olho e não somos mais crianças. Abrimos, a juventude se foi. Fechamos de novo, os cabelos, cada vez mais raros, branqueiam. Abre-se mais uma vez e as rugas despontam, o corpo não é mais o mesmo. Pior é não haver colo de mãe para nos consolar.

A vida nos imprime marcas. A verdadeira sabedoria consiste em saber aceitá-las, assumi-las, exibi-las como testemunho.

Ainda temos muito por fazer. Lugares para onde ir, pessoas a encontrar, livros a ler. “Que a hora esperada não seja vil, manchada de medo, submissão ou cálculo”, pedia outro poema de Drummond.

Tais versos me fazem recordar minha mãe, já no hospital, vendo os filhos reunidos em torno de seu derradeiro leito, nossas feições tristonhas. Foi quando ela levantou a mão direita e, sorrindo, olhos brilhando, recomendou-nos, em uma espécie de bênção: “Alegria!”.

Essa é a imagem, a palavra e a lição de vida que herdei de Dona Darcy. Legado que repasso e ofereço, hoje, de presente para Emília: “Alegria”, querida filha. Feliz aniversário.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.