Portugueses olham torto para meus chinelos de dedo

Finalzinho de tarde, desço do apartamento com nossa cadela, Bela, para o passeio vespertino aqui no Porto. Apesar do frio, faz um solzinho tímido, de final de inverno europeu, e decido não calçar as meias e nem colocar o habitual tênis de caminhada. Por medida de praticidade e conforto, saio mesmo com os chinelos de dedo trazidos do Brasil.

No térreo, à saída, cruzo com o vizinho que vem chegando da rua. Desejo-lhe boa tarde, mas ele fixa o olhar em meus pés. Parece desconcertado. Desvia os olhos, constrangido, passa direto, mal me cumprimenta. Antes de a porta do elevador fechar, percebo que ele voltou a fitar-me os pés, com ar de incredulidade.

Descobri que os portugueses estranham o nosso costume de sair à rua de chinelos. Comentei isso com amigos brasileiros e eles confirmaram já ter passado por situações semelhantes.

“Olham-me como se eu estivesse pelada”, comenta uma amiga, que me disse evitar os chinelos na hora de ir ao supermercado e à padaria.

Intrigado, fui fazer uma ligeira busca na internet. Em um desses sites de perguntas e respostas, no qual os usuários abrem tópicos para trocar impressões e informações em grupos e comunidades, deparei-me com a seguinte questão, lançada por um lusitano: “Por que o brasileiro usa chinelos em todo o lado?”.

Há todo tipo de respostas. Desde os que ponderam ser um fenômeno cultural, derivado do clima e da informalidade tipicamente nacionais, até os que afirmam ser por “falta de educação, bom gosto e respeito aos outros”, conforme um gajo deixou lá registrado.

“Consigo pensar em algumas razões”, comenta também uma cachopa. “Desleixo, falta de motivação, pouco respeito próprio, maus hábitos, indiferença, rebeldia, preguiça e várias outras desculpas esfarrapadas”, ela conclui.

Dei uma espiada no Twitter e encontrei uma turma de brasileiros que faz do chinelo de dedo uma espécie de bandeira identitária em Portugal. “Morando aqui e ir ao supermercado de chinelos é quase que uma demarcação de território, é um jeito simples de identificação”, diz um deles. “Usar chinelos na faculdade em Portugal é praticamente um ato de transgressão”, testemunhou outro, chineleiro convicto.

No Facebook, então, haja pedidos de brasileiros expatriados implorando para compatriotas trazerem-lhe chinelos com solado de borracha e tiras de dedo na próxima viagem. É porque, por aqui, eles custam o valor de um rim. Não à toa, no TikTok, uma jovem e descolada portuguesa, que ama os nossos chinelos, postou um vídeo dedicado a nós, brasileiros.

“Sim, nós roubamos o vosso ouro”, ela admite. “Mas sabem quanto custam aqui umas havaianas?”, pergunta. “Caríssimo”, ela própria responde. É verdade. “Nós estamos a devolver vosso ouro em forma de chinelos”.

Vou lembrar disso na próxima vez que sair de chinelos de dedo à rua e um português me olhar de jeito torto. Vai ver ele considere isso uma forma imperdoável, não de desmazelo, mas de ostentação.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.