“Como hão de ser as palavras?”, indagava o padre Antônio Vieira (1608-1697), um dos maiores oradores da língua portuguesa de todos os tempos, a respeito do estilo mais adequado para a configuração de um texto. Ao responder à própria pergunta, ele dizia que as palavras têm de ser, necessariamente, como as estrelas: “altas e claras”. Explicava: “O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem, e tão alto que tenham muito que entender nele os que sabem”.
Vieira fez-se célebre justamente por aliar a vasta erudição de que era portador à limpidez da linguagem que sabia empregar. Suas cerca de setecentas cartas e duzentos sermões, quando reunidos aos escritos políticos, proféticos e literários, compõem um painel de quase vinte mil páginas manuscritas. Na edição mais recente de suas obras completas, desdobram-se por trinta alentados volumes.
Podemos, hoje, problematizar e discordar de muitos dos argumentos ali expostos. Impossível, contudo, negar que o notável pregador tenha cumprido com perícia o firme propósito a que se dedicou ao longo da vida: escrever de modo tão culto quanto inteligível; de forma profundamente erudita, mas sem jamais afetar a compreensão e a fluência da frase. Aos que cultivam o hermetismo como método de autoafirmação intelectual, que ouçam o recado de Vieira: “Não temais que pareça o estilo baixo; as estrelas são muito distintas, e muito claras e altíssimas”.
Mais de três séculos depois, outro mestre da palavra, Italo Calvino (1923-1985), recomendava-nos que a leveza do texto — um certo “despojamento da linguagem” — era essencial para a literatura e a palavra escrita sobreviverem em uma época caracterizada pela hegemonia das imagens. Calvino pedia emprestada a imagem sugerida pelo poeta Paul Valéry (1871-1945) para advertir que tal leveza não deve ser confundida com a inconsistência: “É preciso ser leve como o pássaro, não como a pluma”.
A densidade, aliás, é outra das características aconselhadas por Italo Calvino em “Seis propostas para o próximo milênio”, livro resultante de um conjunto de preciosas conferências — leves e densas — ministradas por ele em Harvard. À primeira vista, leveza e densidade parecem antípodas, conflitantes, inconciliáveis. Não o são. “A leveza para mim está associada à precisão e à determinação, nunca ao que é vago e aleatório”, esclarece-nos Calvino.
Quando estas duas qualidades conjugam-se à rapidez (aqui entendida no sentido do ritmo, da destreza narrativa), à exatidão (a capacidade de escolher o léxico preciso para traduzir ideias e nuances de pensamento), à visibilidade (a procura por transformar palavras em imagens mentais) e à multiplicidade (a pluralidade de vozes e pontos de vista contempladas em um único texto), temos o conjunto dos valores expressivos propostos por Italo Calvino para o exercício pleno da palavra escrita neste milênio que, infelizmente, ele próprio não teve a oportunidade de adentrar.
Quando escrevo, sempre penso nas lições de Vieira e Calvino. Aprendiz do ofício, espelho-me nelas, na busca incessante e simultânea de elevação e limpidez, leveza e densidade, no desejo permanente — e, admito, não necessariamente bem sucedido e alcançado — de urdir tecidos verbais que possuam a leveza do pássaro e, ao mesmo tempo, a clareza e a altura das estrelas. Sigo tentando.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.