Esperança não é das características mais abundantes nas obras do cineasta cearense Petrus Cariry, marcadas por tramas e abordagens quase sempre sufocantes. Em “Mais Pesado é o Céu” — premiado longa do diretor que estreia nesta quinta (8) no Brasil —, no entanto, o sentimento positivo parece dividir espaço, ao menos de início, com o peso.
A trama acompanha o encontro das solidões de Teresa (Ana Luiza Rios, em interpretação ganhadora de prêmio especial no Festival de Gramado) e Antônio (Matheus Nachtergaele). Os dois desconhecidos se aproximam ao retornarem, por diferentes motivos, à cidade da velha Jaguaribara, que há mais de 20 anos foi submersa para dar vazão ao açude Castanhão.
Antes da união pelas memórias de um passado agora inundado, o ponto de aproximação entre os dois é um bebê, inicialmente encontrado por Teresa em uma embarcação. Quando ela encontra Antônio, o homem presume que o menino é filho dela, que não nega, e assim se estabelece um núcleo familiar circunstancial.
Com intenções diferentes para os próximos passos — ele quer tentar a vida num negócio de caranguejos no Piauí e ela pretende ir para Fortaleza —, a dupla se estabelece em uma casa abandonada após conseguir a ajuda de Fátima (Silvia Buarque), empática dona de um restaurante.
A beira da estrada, a cidade inundada e as paisagens quase sempre ermas funcionam como representação prática do não-lugar ocupado, também simbolicamente, pelos protagonistas. Desgarrados e sem raízes, Antônio e Teresa parecem ser, ao mesmo tempo, sem passado e sem futuro.
Apesar das durezas dos caminhos, “Mais Pesado é o Céu” constroi um filme que vai afirmando e, de certa forma, celebrando a solidariedade entre estranhos. Por mais dependente das conjunturas, ela desponta como genuína não apenas no vínculo central do longa, mas também com as personagens coadjuvantes, em especial as mulheres.
Além da já citada Fátima (Silvia Buarque), outro ponto de apoio, especificamente para Teresa, é Letícia (Danny Barbosa), que trabalha em um posto de gasolina da região. De forma natural e sem jogos de interesses, as personagens se ajudam mutuamente em diferentes momentos, com ações ou com palavras e escutas.
Momentos como estes despontam não de forma que romantize as agruras dos caminhos daquelas pessoas, mas evidenciando a beleza desses apoios desprovidos de segundas intenções entre diferentes que compartilham realidades irmanadas.
As personagens ouvem umas das outras constantes afirmações de “estou aqui se você precisar”, mas, como Antônio diz ao bebê em determinada cena, a vida é, decerto, cruel. Isso o filme não se furta de representar, tanto pela trama de pano de fundo que fala de uma série de mortes violentas ocorridas na estrada, quanto pelas menções ao contexto político do Brasil pós-pandemia.
São muitos os momentos, também, em que o longa cria contextos que parecem sugerir algum nível de possível fuga ou ruptura. Teresa e Antônio, vez ou outra, se distanciam entre si para resolver certas questões e, apesar disso abrir possibilidades de distanciamento, os laços se sobrepõem e eles voltam um para o outro.
No entanto, ao passo em que celebra tais laços justamente por mostrar a força e centralidade deles neste cenário desafiador, “Mais Pesado é o Céu” também estabelece, quase em paralelo, uma atmosfera de mal estar, essa típica da filmografia de Petrus.
Isso ocorre seja em sugestões visuais e sonoras do terror — evidenciadas pela premiada fotografia, assinada por Petrus, e pela trilha sonora, de João Victor Barroso —, seja nos cortes secos que encurtam sequências marcadas por algum nível de afeto — num também premiado trabalho de montagem de Petrus com Firmino Holanda.
Se ao longo do desenvolvimento da narrativa há uma constante insinuação de mal estar, ela sai do campo do sugerido e se transforma em algo mais frontal e direto em uma virada de abordagem que, então, escapa somente da sensação e concretiza uma ameaça palpável.
Quando a narrativa é contaminada por ela, “Mais Pesado é o Céu” parece, ao mesmo tempo, contradizer o que foi construído até ali e afirmar que a crueza e o peso são inescapáveis e se impõem.
Se o filme é uma ode em prol do poder da esperança ou golpe duro e seco contra ela, dependerá do olhar do espectador. O que Petrus evidencia, aqui, são os desequilíbrios sociais, simbólicos e concretos que marcam a experiência brasileira recente.
Confira o trailer de "Mais Pesado é o Céu"
Mais Pesado é o Céu
- Quando: sessões de 8 a 14, às 13h55, nos Cinemas Benfica; sessões dia 8, às 19h40, dia 9, às 19h20, dia 10, às 15h50 e 19h40, dia 11, às 19h40, dia 13, às 19h40, e dia 14, às 17h50, no Cinema do Dragão
- Onde: Shopping Benfica (rua Carapinima, 2200 - Benfica) e Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
- Quanto: ingressos a partir de R$ 17 (inteira) nos Cinemas Benfica; ingressos a R$ 16 (inteira) e R$ 8 (meia)
- Mais informações: @sereiadistribuidora