O piso salarial da enfermagem foi sancionado no Brasil há seis meses, mas ainda não é realidade no contra-cheque dos profissionais da área. A lei está suspensa por uma determinação do ministro Luís Roberto Barroso desde setembro. Uma força-tarefa envolvendo parlamentares e representantes da categoria tem tentado acelerar a aprovação de medidas complementares para destravar o impasse no Judiciário.
A última delas deve se resolver nas próximas semanas: a aprovação de uma Medida Provisória que trata sobre a dotação orçamentária e o procedimento para o repasse da verba às instituições do setor público, entidades filantrópicas e prestadores de serviços com um mínimo de atendimento de 60% de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com deputado federal Mauro Filho (PDT), autor da proposta da MP, o grupo de trabalho responsável pela minuta da medida provisória entregou o material para o Ministério da Saúde no final da semana passada. O Ministério pediu 48 horas para avaliar o texto, que também está sob análise da Casa Civil, etapa que antecede a assinatura pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em entrevista no programa Roda Vida, na segunda-feira (6), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, defendeu uma "solução rápida" para o impasse.
“A determinação é que tenhamos uma solução rápida. No Ministério da Saúde, nós definimos um grupo de trabalho para estabelecer diálogo com o Fórum Brasileiro de Enfermagem, todas as outras representações, parlamentares e os outros ministérios envolvidos no projeto”
Após aprovação da MP e ajustes em procedimentos legais para o suporte da União ao pagamento do piso, a perspectiva é de que o Supremo derrube a liminar e a lei vigore normalmente.
Ação contra o piso da enfermagem
O STF avalia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela CNSaúde, alegando vícios de inconstitucionalidade diante da tramitação no Congresso Nacional e também por "efeitos práticos adversos".
Na decisão de Barroso, ele pontua, no entanto, que, "naturalmente, as instituições privadas que tiverem condições de, desde logo, arcar com os ônus do piso constante da lei impugnada, não apenas não estão impedidas de fazê-lo, como são encorajadas".
A nova lei prevê que enfermeiros de todo o país, contratados em regime de CLT, terão de receber, no mínimo, R$ 4.750 mensais. Já o piso de técnicos de enfermagem será de R$ 3.325; e o de auxiliares e de parteiras, R$ 2.375.
Municípios do Ceará que aplicaram o piso
Até este mês de fevereiro, apenas as prefeituras de Tauá, Monsenhor Tabosa e Cruz enviaram ao Legislativo a proposta de aplicação dos novos pisos salariais.
A Prefeitura de Fortaleza chegou a anunciar o pagamento para janeiro deste ano, mas ainda não efetivou a promessa.
Diante da morosidade para destravar o pagamento das novas bases salariais, a categoria prevê intensificar protestos pelo piso e decretar greve a partir de março. Em Fortaleza, a categoria tem feito convocação para uma Assembleia Geral no dia 14 de fevereiro, em frente ao Paço Municipal.
Em São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana, um protesto está previsto para a sexta-feira (10). Na Lei Orçamentária Anual do Município, há previsão orçamentária para o pagamento do piso, mas o projeto de lei não foi enviado à Câmara, e o prefeito, Professor Marcelão, não se pronunciou sobre o assunto ao ser procurado pela coluna.
O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), já declarou compromisso com o pagamento do piso, mas aguarda as definições de suporte financeiro da União.
Definição da carga horária
Um ponto que preocupa a categoria é a definição da carga horária à qual será aplicada a lei do piso. A legislação sancionada não prevê a carga horária, o que tem ficado a cargo dos gestores estaduais e municipais.
Até agora, as prefeituras têm sancionado o piso para servidores com carga horária de 40h. No entanto, há profissionais que atuam com carga horária de 30h semanais.
Críticas de entidades municipalistas
Entidades municipalistas têm criticado a falta de participação nos debates sobre a Medida Provisória e dizem que o uso dos fundos públicos aprovados na Emenda Constitucional não é a melhor saída.
"A utilização de recursos de fundos públicos para o financiamento do piso, como vem sendo noticiado como a solução para o custeio, é um equívoco, uma vez que a medida é temporária e incerta. A previsão de recursos vai até 2027, sujeita a superávit dos fundos, e não há fonte de financiamento a partir de 2028", aponta a Confederação Nacional dos Municípios, em nota.
Eles defendem aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que adiciona ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) mais 1,5%. "A medida é permanente e aporta recursos financeiros que poderão ser aplicados de forma adicional ao auxílio da União para o cumprimento do piso. Outra solução é o custeio permanente do piso pela União, como já ocorre com o piso dos Agentes Comunitários de Saúde e Endemia", ressaltam.
Mauro Filho tem destacado, nos debates sobre o custeio, que as prefeituras terão tempo para incluir o custo na folha de pagamento. A emenda prevê remanejamento dos recursos durante os próximos 10 anos.
Ele ressalta que, nesse período, haverá tempo ainda para o Congresso Nacional fazer aprimoramentos na legislação.
Entidades privadas também se mobilizam para manter a ação no STF apesar da Medida Provisória. A Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos em Saúde (CNSaúde), que moveu a ação direta de inconstitucionalidade, diz que a MP não é suficiente para evitar demissões e descontinuidade dos serviços com o novo piso.
A aposta da entidade é na aprovação de uma lei que prevê a desoneração da folha de pagamento. Há expectativas de que o assunto seja discutido ainda este ano no Congresso.
Entenda a esforço pelo piso no Legislativo
O piso salarial da enfermagem foi proposto pelo senador Fábio Contarato (PT) e teve tramitação finalizada no Congresso Nacional em maio deste ano.
Em 14 de julho, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional (EC) 124 para possibilitar que o piso fosse instituído sem questionamentos na Justiça, já que não cabe ao Legislativo tratar de remunerações profissionais. Só em 4 de agosto foi sancionada a respectiva norma, a Lei 14.434, de 2022.
Após os questionamentos no STF, a discussão voltou ao Legislativo. Dessa vez, para aprovar uma emenda à Constituição prevendo repasse financeiro. Em dezembro, após aprovação por unanimidade na Câmara e no Senado, foi promulgada a Emenda Constitucional 127/2022, alterando o art. 198 da Constituição Federal, para que a União preste assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às Entidades Filantrópicas, para o cumprimento dos pisos salariais.
A proposta que resultou na emenda, apresentada pelo deputado federal Mauro Filho, também alterou a legislação para estabelecer o superávit financeiros dos fundos públicos do Poder Executivo como fonte de recursos para o cumprimento dos pisos salariais profissionais nacionais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira; e dá outras providências.