Que país queremos?

No próximo domingo votaremos nas eleições mais importantes das últimas décadas, pois nelas não se estará fazendo uma escolha, apenas, entre dois candidatos e dois programas de governo. Nelas, estaremos decidindo que futuro queremos para o nosso país. Dependendo de quem venha a vencer, teremos perspectivas muito contrastantes em termos econômicos, políticos, sociais e mesmo civilizacionais para o futuro de nossa sociedade.

No domingo iremos escolher, antes de tudo, se preservamos a democracia, se nos manteremos como um Estado democrático de direitos, se apostaremos no respeito à Constituição e às instituições. Por mais estranho que possa parecer, domingo, através de um instrumento fundamental da democracia participativa, o sufrágio universal, podemos escolher por fim ao regime democrático, podemos escolher um Estado autoritário, um governante autocrático, um candidato a ditador, que não demonstrou, hora nenhuma de sua vida política, respeito pela Constituição e pelas leis. Um candidato que não esconde seu projeto de subjugar as demais instituições de Estado, controlando o Legislativo e o Judiciário. Um governante que nunca escondeu seu desejo de governar sem controle e sem os limites definidos pela Carta Magna. Um candidato a presidente que nunca deixou de elogiar publicamente a ditadura civil-militar implantada em 1964 e que lamentou em entrevista na TV que ela não tivesse eliminado umas trinta mil pessoas, todos aqueles que seriam comunistas ou de esquerda.

No domingo iremos escolher se preservamos a liberdade de expressão, se manteremos o direito de discordar dos governantes de plantão, se continuaremos tendo o direito de pensar de modo diferente da autoridade constituída, se conservaremos o direito a crítica, a dissenção, a ser oposição política e ideológica. Se escolhermos o atual mandatário do país, estaremos escolhendo alguém que não suporta que dele divirjam, que ataca de modo grosseiro quem lhe faz perguntas incomodas, que agride violentamente a imprensa, notadamente as jornalistas, pois não suporta ser questionado. Um governante que quer eliminar, inclusive fisicamente, a oposição, que estigmatiza e promove a perseguição a quem não faz seus gostos, segue suas ordens ou lhe bajula.

No domingo iremos escolher se queremos ser um país soberano ou um país que entrega suas riquezas de mãos beijadas para os interesses internacionais. Se escolheremos alguém que é efetivamente patriota, dando estatuto internacional ao país, não hostilizando nenhum país, mas também não se curvando aos interesses externos. Estaremos elegendo alguém que apesar de viver enrolado na bandeira nacional, presta continência para bandeiras estrangeiras e realiza a política mais entreguista já vista nas últimas décadas. Escolheremos entre um Brasil respeitado nos fóruns internacionais ou um país pária, rejeitado por quase todos os países, convivendo apenas com as maiores ditaduras do planeta. Estaremos escolhendo entre um estadista e um presidente que envergonhou o país cada vez que se fez presente em uma atividade no exterior.

No domingo estaremos escolhendo entre uma política econômica voltada para a inclusão das maiorias, voltada para a distribuição de renda, para a geração de empregos, voltada para o combate a fome, para beneficiar as camadas mais necessitadas do país, e a continuidade de uma política econômica que reduziu drasticamente o crescimento do país, que levou ao retorno do país ao mapa da fome, que gerou taxas recordes de desemprego e de inflação. Uma política econômica que fez a felicidade dos mais ricos, do capital financeiro, dos acionistas estrangeiros, dos investidores privados, que agora se perfilam a seu lado, mesmo que isso signifique a destruição do tecido produtivo do país, o fechamento de milhares de empresas, a desindustrialização, com a precarização das relações de trabalho e emprego, com a privatização do orçamento e do investimento públicos.

No domingo estaremos escolhendo entre um ex-presidente que apostou na transparência das ações públicas, que criou os mecanismos e instituições de combate a corrupção, que deu plena liberdade aos órgãos de fiscalização e controle, que não interferiu a seu favor, mesmo nos momentos mais difíceis e críticos, nas instituições de investigação e controle. Um ex-presidente que foi vítima da maior perseguição política já realizada nesse país, que a enfrentou e provou sua inocência, desmoralizando os objetivos políticos de seus algozes. Um governante que, por mais investigado que fosse, nunca foi pilhado com contas secretas no exterior, com imóveis em seu nome, com malas de dinheiro guardadas ou com empresas em nome de laranjas. E um presidente que enriqueceu na política, cuja família comprou cinquenta e um imóveis em dinheiro vivo, que já foi denunciado pela prática de rachadinha, que empregou funcionários fantasmas em gabinete. Um presidente em cujo governo pulularam denuncias de corrupção e que vem comandando o maior escândalo de corrupção da história do país: o orçamento secreto, com o qual tenta comprar a eleição. Um derrame bilionário de recursos públicos sem transparência e sem maiores controles. O presidente que se notabilizou por colocar sob sigilo por cem anos desde o seu cartão de vacinação, as despesas com o cartão corporativo, as visitas dos filhos e correligionários a palácio, até as investigações sobre o pedido de propina na compra de vacinas contra a Covid-19, a corrupção no Ministério da Educação, as denuncias de que seu ministro do meio-ambiente estava envolvido em tráfico de madeira e tantos outros casos escabrosos.

No domingo vamos escolher entre a paz e a solidariedade e quem prega e incentiva o ódio e a violência. Vamos escolher entre quem distribuiu livros e esperança e quem destruiu esperanças e distribuiu armas. Entre quem vem dos mais pobres e conhece suas necessidades e quem os estigmatiza como sendo todos bandidos, quem alimenta os preconceitos da classe média contra os mais necessitados, como sendo responsáveis por sua própria miséria. Estaremos escolhendo entre o respeito aos direitos humanos e aqueles que acham que direitos humanos só serve para defender bandido. Entre aqueles que acham que bandido bom é bandido morto e aqueles que acham que o Estado tudo deve fazer para evitar que alguém se torne bandido e que o trate conforme as leis vigentes. Estaremos escolhendo entre racistas, que pregam a supremacia branca, que se acham melhores do que os nordestinos ou todos aqueles que pretensamente seriam racialmente inferiores e aqueles que querem promover a igualdade racial, implementando políticas compensatórias para saldar a divida histórica que esse país tem com os negros, inclusive com os nordestinos que, como aqueles que realizaram o trabalho, foram responsáveis pela geração de riqueza no país, pois quem gera riqueza é o trabalhador, não os patrões.

Estaremos escolhendo entre um candidato misógino, machista, sexista, que não para de agredir as mulheres, de considerá-las inferiores, de tomá-las como objetos de seus desejos sexuais, inclusive, como ele mesmo admitiu, até mesmo meninas de 14 e 15 anos. Um candidato que fez apologia ao estupro em pleno plenário da Câmara Federal, crime pelo qual nunca foi punido politicamente, mostrando como os homens brancos ficam impunes nesse país. Um candidato homofóbico, que a pretexto de defender a família, as agride todos os dias com seu palavreado chulo e com seu humor sexualizado de gosto duvidoso, a ponto de fazer gracinhas sexuais com uma menina de nove anos. E um candidato que criou as Secretarias das Mulheres e da Igualdade Racial, que implementou políticas de combate a violência doméstica, de promoção da igualdade racial, que iniciou a demarcação das terras pertencentes a comunidades quilombolas, que implementou o sistema de cotas que colocou milhares de negros nos bancos universitários.

No domingo escolheremos se queremos ter a Amazônia preservada e se queremos defender os indígenas de um genocídio já iniciado. Se queremos contribuir para a preservação da própria espécie humana, colaborando com a redução das emissões de carbono e com o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento sustentável.

Podemos escolher entre os interesses coletivos, os interesses de toda a humanidade ou os interesses mesquinhos e predatórios de garimpeiros, madeireiros ou fazendeiros inescrupulosos, que vêm com a conivência desse atual governo desmatando a floresta, destruindo a biodiversidade, riqueza que pode nos garantir um futuro diferente, matando os indígenas para se apossarem ilegalmente das riquezas de suas terras.

No domingo poderemos optar pela destruição do serviço público, do Sistema Único de Saúde, pela privatização das Universidades e Institutos Federais, pela precarização salarial e de direitos dos servidores públicos, que significará piores condições de serviços para a população mais pobre, dependente do Estado. Pode-se no domingo optar pelo desprezo pela ciência e pela cultura, se pode preferir o fanatismo e o obscurantismo, a desinformação e a mentira das fake news. Pode-se, em nome do cristianismo e da família, se eleger o que há de mais anticristão: o desprezo pela dor do outro, a falta de empatia com aquele que sofre, o aproveitamento, inclusive financeiro, da carência e da fé alheia, a instrumentalização do poder para atender interesses pessoais, a violência e o ódio, a mentira, a calúnia e a injúria, a promoção das desavenças e das divisões.

Domingo não se trata, apenas, de apertar duas teclas e confirmar, se trata de escolher entre um futuro de obscurantismo e atraso, um futuro de fascismo e de crise civilizacional e social e um futuro de reconstrução das bases indispensáveis para a vivência numa sociedade democrática, socialmente justa e inclusiva, uma sociedade em que se possa fazer escolhas, inclusive diversas, mas que só uma ordem democrática permite. Por isso, nessa hora, ninguém pode se omitir e eu não me omito. No dia 30, votarei Lula, porque eu sei o Brasil que eu quero e não é esse país de gente mesquinha, que só pensa em seu próprio umbigo, o que eu desejo. Quero um país para todos e todas, um país generoso e fraterno, notadamente para aqueles que não tiveram os privilégios que tive.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.