Cearense coleciona caixas de fósforo há 60 anos e conta a História do Brasil por meio do acervo

Morador do bairro Serrinha, em Fortaleza, Anizio Araújo mantém um museu muito particular na própria casa, fruto do amor pelo colecionismo e por objetos que guardam memórias

Na sua tem, na minha também. Mas, na de Anizio Araújo, a dimensão beira o inimaginável. A casa do homem no bairro Serrinha, em Fortaleza, resguarda aquilo que para muitos é apenas objeto, coisa simples e vã. São mais de 1800 caixas de fósforo, organizadas de forma a conferir o real peso a esse verdadeiro império de memórias.

Todas diferentes entre si e cada uma com história própria, as caixas começaram a ser reunidas quando o engenheiro agrônomo e professor aposentado, hoje com 79 anos, iniciou os estudos na Universidade Federal do Ceará. À época, idos de 1968, lembra que uma das principais atividades da juventude era fumar. Foi entre um cigarro e outro que tudo começou.

“Eu tinha vinte e poucos anos. Recordo de andar muito a pé. Passava nas bodegas, comprava uma carteira de cigarro e, junto a ela, uma caixa de fósforo. Um dia, achei uma muito bonita. Era da empresa Olho, e tinha o desenho de um jangadeiro nela. Tanto é que comprei duas caixas: uma eu usei, a outra eu guardei”, relata.

O exemplar atualmente se confunde com outros, adquiridos em mais de seis décadas de dedicação e entrega a esse amor que tem peso, altura e qualidade. Não é qualquer caixa que Anizio guarda, não. Precisa ter autenticidade e cuidado. Precisa contar algo. Tem a ver com o ofício de colecionador: mais que quantidade, busca-se o original, o genuíno.

Não à toa, o cearense só adquire itens novos e, quando possível, selados. Esta última característica dialoga, inclusive, com outros tempos do comércio brasileiro. Segundo Anízio, antes os produtos saíam com selo fiscal, utilizado para cobrar impostos. O Imposto do Selo é o mais antigo do sistema fiscal português, criado por alvará de 24 de dezembro de 1660.

Ele incidia sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e artefatos previstos na tabela geral, incluindo transmissões gratuitas de bens. “Havia também o selo de consumo, colocado em tudo o que era produzido – desde uma caixa de fósforo ou maço de velas até uma aspirina. Quando você ia consumir o produto, rasgava o selo”.

Uma das sinas dos colecionadores de caixas de fósforos, por sinal, é encontrar exemplares que ainda estão assim, selados. Sim, porque Anizio Araújo não é o único que acumula esse tipo de objeto. Várias pessoas, Brasil e mundo afora, assim o fazem. O cearense, porém, gosta de saber que, por essas bandas, o acervo dele é considerado.

O carinho começa no trato com as peças. As caixas de fósforo sob a posse do engenheiro são guardadas em caixas de acrílico, a fim de preservar a autenticidade delas. Muitas são antigas, os rótulos desgastados pelo tempo, datadas das décadas de 1920 e 1930. Mas ainda existe o resquício do selo, os palitos originais. São detalhes que valorizam ainda mais a coleção.

Há também marcas de outros Estados além do Ceará, e estrangeiras – fruto das muitas viagens de Anizio em busca desses itens tão simples quanto raros. “Ser colecionador é da própria pessoa. Eu, pelo menos, tenho três filhos. Um deles é louco por colecionismo; os outros já não gostam tanto, preferem estudar. E assim a coisa acontece”.

Quando fala sobre isso, vem à memória o princípio do gosto por colecionar. Foi em Quixadá, na casa dos pais. Com uma prole de 11 filhos, o casal ensinou todos a serem amigos uns dos outros. Anizio ficou bastante próximo de um dos irmãos mais velhos, apaixonado por Filatelia. Quando viu, já estava também colecionando selos, moedas e estendia o prazer para cartões e fichas telefônicas.

É o que justifica a inserção dele em sociedades como a de Numismática e a participação em eventos de toda ordem relacionados a Multicolecionismo. É o que igualmente faz brilhar o olhar. Quando reflete sobre o quanto absorveu com cada uma das coleções, fica grato e emocionado. Até sobre o ABC era possível aprender nas caixas de fósforo. O que é isso senão algo grande e poderoso?

É amor, ele diz. “O amor está ligado ao tempo. Se você dedica tempo a alguma atividade, a alguma pessoa ou a alguma coisa, com certeza você ama aquela atividade, pessoa ou coisa. Se você gosta de ler, ama seus livros. Se gosta de algum tipo de colecionismo, ama aquilo ali. Então, amor é dedicar tempo. Ambos estão presentes em tudo”.

E, num lance oportuno de reconexão com o professor que um dia foi, arremata, visão pousando sobre as caixas de fósforo: “O homem aprendeu de Deus o dom de aprender. Essa foi a primeira missão. Recebemos também a segunda, que é ensinar. Logo, o que adianta você ter todo o conhecimento do mundo e não dizer a ninguém? É egocentrismo sem tamanho. Viver assim não dá, não quero”.

 

Esta é a história de amor de Anizio Araújo pela própria coleção de caixas de fósforos e de outros objetos. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.