Quando teremos uma “Cracolândia” para chamar de nossa?

Em Fortaleza, os protótipos e as razões que dão origem a algo semelhante estão postos

São Paulo é o centro econômico e financeiro do Brasil, sede da Bolsa de Valores e das grandes corporações capitalistas. Além disso, comanda a maior bacia urbana da América Latina, uma verdadeira megarregião.

A capital paulista é culturalmente rica, repleta de museus e recebe, frequentemente, eventos artísticos de porte internacional. Tudo o que é inovação acontece primeiro em São Paulo, seja no showbusiness ou no mundo desportivo. Na mesma cidade, entretanto, encontram-se grandes mazelas sociais, entre elas, a zona de consumo de drogas mais emblemática do Brasil, a chamada Cracolândia.

A Cracolândia é um território flutuante produzido por traficantes e, especialmente, pelos usuários de drogas.  Ninguém conta ao certo como ela surgiu, mas sabemos que não foi de uma hora para outra. 

Os indícios espaciais e sociais estão dados. A degradação urbana das áreas centrais das metrópoles somada à ausência de políticas públicas corretivas desses processos possibilitaram o sítio urbano ideal para esse tipo de uso do espaço público.

Em outra dimensão, a invenção de drogas mais baratas, mais potentes quimicamente e devastadoras da condição humana são explicações para a elevação no número de doentes (vítimas do vício).  

Economicamente, o tráfico é muito rentável e seu funcionamento articula interesses “invisíveis” que não se restringem ao traficante ou à boca de fumo.

Por fim, social e psicologicamente, a vida moderna é recheada de crises pessoais e decepções cujas sensações de vazio, desespero e estresse são um caldo “perfeito” que aproxima o indivíduo ao entorpecente.

Intervenção sem eficácia

Devem haver outras tantas explicações, o fato é que as imagens da Cracolândia, apesar de lembrar as cenas de zumbis da série The Walking Dead, não são ficcionais.  Se na série, o enfrentamento direto dos zumbis nunca foi boa escolha, tampouco seria no caso da Cracolândia.  Na vida real não estamos falando de seres sem vida e sem direitos, por isso, as operações de intervenção, ao se restringirem aos mecanismos da força policial, perdem eficácia. Ações desta natureza promovem um espalhamento dos usuários, seguida de duas possibilidades: um reagrupamento no espaço de origem ou a formação de territorialidade em outra área, sempre com as mesmas características sociais e espaciais.

São Paulo é um triste exemplo de como um problema urbano e social cresce a olhos vistos a tal ponto que, aparentemente, todas as soluções pensadas são inócuas. De um problema “banal”, passa-se para um de complexidade máxima.

Semelhanças em Fortaleza

Em Fortaleza não temos (ainda) territorialidade de usuários com intensidade semelhante à paulista. Contudo, os protótipos e as razões que dão origem a algo semelhante estão postos por aqui. Ou não? Eu as vejo: aumento vertiginoso da população em condições de rua, zonas de agregação de usuários de drogas, fortalecimento dos grupos traficantes e depreciação de áreas urbanas centrais.

A história, o espaço e os exemplos estão aí para nos ensinar e a nos ajudar no planejamento frente os problemas. Em linguagem popular e como diz meu bom pai: quem avisa amigo é! Que políticas sociais se tornem prioridade máxima das gestões municipais e da sociedade civil, do contrário, e brevemente, teremos uma cracolândia para chamar de nossa.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.