Das doenças classificadas como arboviroses, a Dengue é das mais conhecidas, infelizmente por sua difusão em nosso país. Nos anos 1950, registrou-se a erradicação de seu vetor de contaminação, o mosquito Aedes aegypti; contudo, a urbanização, na forma como aconteceu, abriu alas para a doença voltar. Se por um lado, comemoramos o desenvolvimento de uma vacina para essa virose, por outro é impressionante pensar o quanto o modelo de crescimento das cidades contribuiu para o impacto da doença no sistema de saúde e nas nossas vidas.
Os dados registrados nas cidades do Nordeste ainda são inferiores aos que são registrados no Centro-Sul. Só em São Paulo foram verificados mais de 120 mil casos, com atestação de centenas de casos graves e com 27 mortes confirmadas e 130 em investigação para confirmação das causas.
Talvez a situação nordestina se explique, até o momento, pela característica da nossa quadra chuvosa e, sobretudo no semiárido, por não termos alcançado o ápice das chuvas. No entanto, historicamente os registros indicam abril e maio como meses nos quais o número de casos eleva-se. A atenção deve ser constante com a tomada de medidas na ordem coletiva e individual.
Coletivamente, na escala da cidade, existem medidas pontuais e estruturais. No caso das pontuais, são exemplos a visita casa à casa realizada pelos agentes de endemia, definida pela localização das áreas onde os focos de incidência da doença têm maior relevância. Da mesma forma, a limpeza de canais e dos logradouros faz parte do cotidiano e merece atenção redobrada durante esse período.
Todavia, é na efetivação das medidas estruturais onde mais pecamos. Isso é provado pelos dados oficiais apresentados pelo Censo 2022, principalmente a respeito da qualidade urbana no entorno dos domicílios. Aproximadamente 60% dos domicílios cearenses não estão conectados à rede de coleta e tratamento de esgoto.
Em Fortaleza o dado é mais positivo, porém 12% dos domicílios não contam com essa infraestrutura básica. Caucaia, segundo maior cidade da Região Metropolitana e do Ceará, tem quase 28% dos seus domicílios descobertos de saneamento adequado.
Pesquisas realizadas pelo Departamento de Geografia da UFC, coordenadas pela Professora Elisa Zanella, demonstram que exatamente nos espaços urbanos mais pobres e desprovidos dessas infraestruturas é que há maior propagação da doença e maior número de casos graves.
Ora, além da escala da cidade, para frear a Dengue e seu transmissor, medidas na escala dos domicílios são indispensáveis. Mais de 70% dos focos derivam de residências nas quais os cuidados básicos não foram realizados, principalmente o descarte correto de acumuladores de água parada. Esses são os berçários favoritos do “mosquito da dengue”.
Mesmo correndo risco de vida, comportamentos culturalmente assimilados teimam em permanecer e guiar ações equivocadas. Os dados do sistema de coleta de lixo nas cidades chegam a percentuais próximos aos 100%, contudo nas ruas, calçadas e quintais a disposição do lixo se faz sem cuidados. Aqui cabe uma crítica mais aguda e já mencionada várias vezes: os recursos da taxa do lixo deveriam ser parcialmente utilizados em campanhas contínuas de educação ambiental urbana. Não podemos mais conviver com as práticas sintetizadas pela expressão popular “jogar no mato”.
De modo geral, percebe-se que a urbanização em Fortaleza se faz, até hoje, de forma incompleta, pois não fortalecemos práticas de saneamento ambiental urbano indispensáveis para evitar catástrofes epidemiológicas. A dengue não dá trégua. Se vacilarmos, ela se propaga e mata. A vacina é um alento, mas não esqueçamos que o danado do mosquito transmite mais de uma doença. Se cuida Fortaleza.