Em minha prática médica, o corpo sempre esteve presente. Entretanto, minha percepção do corpo mudou constantemente e se tornou mais refinada com o tempo. Descobri que o corpo tem sua própria linguagem, dispõe de recursos próprios para curar-se. Uma leve azia que pode evoluir para gastrite ou até mesmo câncer, se não for ouvida e compreendida. A concepção sistêmica do universo como um sistema vivo possibilita-nos compreender os sintomas, nossas dores, como sendo formas físicas, materiais, de expressão dos conflitos ou desequilíbrios do que se passa em nossa mente.
Nossas dores, nossas doenças, são alertas, são recados para repensarmos a maneira como estamos vivendo. Cada sintoma é, portanto, uma mensagem do nosso não consciente, que precisa ser decodificada e nos indica onde se situam nossos conflitos. O que sentimos no nosso íntimo exprime-se através do nosso corpo físico. É no corpo que se materializam as mais diversas formas de sofrimento psíquico.
Ao identificar e dialogar com a parte do corpo em que o sintoma apareceu, podemos esclarecer o que está acontecendo com a pessoa como um todo. Problemas pulmonares repetidos, por exemplo, nos falam de lutos mal resolvidos; problemas renais nos convidam a refletir sobre os medos vividos etc. Precisamos aprender a ‘traduzir’ a fala do sintoma.
Precisamos compreender que todo sintoma não é apenas a expressão de uma mera disfunção orgânica, pode ser também expressão de uma disfunção relacional e/ou existencial.
Os sintomas são vistos como a face visível de um processo invisível que influencia todo o comportamento humano. Além da disfunção biológica que ele manifesta, a doença também tem valor de comunicação. O que os meus órgãos me dizem quando os sintomas aparecem? Neste sentido, o sintoma precisa ser visto numa dupla perspectiva: a biológica, material, objetiva, detectável pelos exames clínicos, onde se busca explicá-lo analisando os processos bioquímicos e mecânicos do organismo; a simbólica, invisível, subjetiva, em que vai se procurar decodificar a comunicação inconsciente veiculada por ele.
No modelo biomédico, a origem da doença segue uma biológica, ou seja, está ligado aos micro-organismos ou a um terreno genético que predispõe a determinada doença, seja de forma congênita ou adquirida. Os remédios alopáticos são necessários e imprescindíveis, mas precisamos ir além da explicação mecânica, bioquímica para extrair mensagens inconscientes que são verdadeiras bússolas no caminhar humano.
No modelo holístico oriental, a doença, considerada como distúrbio energético, vem alertar ao homem dos obstáculos que devem ser superados no caminho de vida. Decodificar essa mensagem possibilita ao homem ressignificar, reorientar seu comportamento, sua vida. Negar este sinal de alerta é privar o ser humano de transformar a doença numa oportunidade para rever seus valores, repensar seus relacionamentos e sua postura no mundo. Articular essas duas leituras de forma complementar, não excludentes, é salutar para todas as pessoas que cuidam da vida humana.
O corpo humano é inteligente, tem recursos para se proteger e se defender das doenças. Quando ele adoece não é culpa dele, e sim de nossa mente que é dirigida pelo nosso inconsciente.
O sintoma, como as palavras, tem vários sentidos. Trata-se, portanto, de uma comunicação cheia de sutilidades e conectada com um contexto histórico e sociocultural preciso. Do mesmo jeito que uma palavra para ser entendida precisa do contexto da frase, um sintoma para ser entendido precisa estar ligado ao contexto em que se vive. Antes de decodificá-lo, precisamos contextualizá-lo, fazer uma série de interrogações e jamais fazermos afirmativas categóricas, mas sugerir pistas de reflexão, levantando hipóteses, sempre numa postura mais interrogativa do que afirmativa.
Por exemplo, as dores articulares são o grito das pessoas solitárias, isoladas, com grande dificuldade de adaptação ao novo, ao diferente. Convidam-nos a refletir sobre o medo de tomar decisões, de avançar na vida ou mudar de direção. Denunciam que estamos nos sentindo reféns de vivências traumáticas passadas que não admitimos rever. Para ser um terapeuta (cuidador) de pessoas, não podemos e não devemos nos limitar a uma única abordagem biológica, psicológica, social, espiritual, quântica, sob o risco de reduzir o tamanho e a complexidade do ser humano a apenas uma de suas dimensões.
Ser capaz de utilizar os recursos da biomedicina, psicologia, sociologia, filosofia e teologia - para citar apenas alguns - e integrá-los em nosso sistema de pensamento aumenta nosso potencial de ação, de cuidado com os outros e de promoção da saúde. Qualquer que seja o fanatismo - biológico, psicológico, sociológico, filosófico ou religioso - é sempre um obstáculo ao desenvolvimento do pensamento e da ação em favor da vida.
É fundamental superar os preconceitos que nos tornam míopes, limitam nossa visão e restringem nosso conhecimento e ação pessoal e profissional. Na luta contra a doença, embora seja importante deixar a biomedicina fazer o seu trabalho, não devemos negligenciar a importância de nossa própria contribuição. Sejamos "decifradores" do que dizem nossos sintomas.
Ao ultrapassar a dimensão física e "auscultar" a linguagem simbólica da nossa dor, tomamos consciência das interações invisíveis do processo saúde-doença. Para que nosso corpo não precise gritar e adoecer, precisamos nos mobilizar e investir nossa energia no cuidado com a saúde, fazendo os ajustes necessários para interromper e neutralizar o processo de surgimento de patologias. Prevenir é melhor do que remediar!
Vamos adotar uma atitude resolutivamente positiva e preventiva, fazendo de nossos sintomas um convite para cuidarmos de nossa saúde, de nós mesmos e de nossas vidas. Cada semana, apresentarei uma enfermidade com seus códigos de leitura e de significados.
*Este texto reflete exclusivamente a opinião do autor