Quantos Nostradamus precisamos?

Como será o mundo pós-pandemia? O que aprenderemos com tanta mudança? O que saberemos nós sobre a ciência, e sobre a falsa ciência? Não nos faltam previsões nem opiniões de especialistas de variadas áreas. Não nos faltam motivos nem curiosidade para saber como sairemos dessa crise. O que o sociólogo alemão Ulrich Beck nos disse foi que o risco faz parte das nossas vidas. Sim, ele é uma constante e nós o experienciamos cotidianamente. Portanto, o único aspecto que podemos trabalhar é como minimizar os efeitos das ameaças que nos cercam.

Alguns dizem "nós não sabemos de nada". Isso não é verdade. Nós já sabemos de algumas coisas e inclusive já temos opiniões sobre elas. Sabemos que não se pode embasar uma tomada de decisão política no âmbito de saúde pública a respeito da hidroxicloroquina, por exemplo, porque não há investigação credível que comprove cientificamente sua eficácia. Mas o mundo, assim como a ciência, é dinâmico. Simplesmente, muda.

Nos últimos meses mudamos as nossas percepções, mudamos nossos cuidados, conosco e com os outros, mudamos nossos hábitos e comportamentos conforme o tempo ia passando. Fomos muito além do uso do álcool gel, dos encontros de família por chamada de vídeo, e das horas sem fim do teletrabalho e da telescola.

Fomos muito além de gostar de estar sozinhos em casa ou de querermos de fato estarmos sozinhos. Fomos muito além também de querer abraçar quem se gosta, de trocar carinho, de olhar nos olhos.

Será que o novo modo de estar (e não o novo modo de ser) vai se tornar a "nova normalidade" ou, passada a situação crítica dessa pandemia, retomaremos nossas vidas tal como antes?

Sugiro que mudemos as perguntas para obtermos respostas diferentes. Mas que, sobretudo, saibamos que não precisamos de nenhum Nostradamus, que curiosamente também era médico, para profetizar o que vai acontecer.

Não precisamos de interpretações políticas polarizadas. Nem de curas milagrosas. Precisamos entender como a ciência trabalha e confiar nas suas evidências.

Refutar é aceitável, porque a ciência não é inquestionável. Mas, necessitamos, sim, de compreender seus fundamentos para que possamos avançar e não retroceder.

Juliana Alcantara

Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra