Onde o Padre Cícero passou a noite de Natal há 150 anos?

Na vida do Padre Cícero, realidade e mito se misturam. E, às vezes, a crença se sobrepõe a qualquer evidência histórica

Há exatos 150 anos, Cícero Romão Batista presidia a Missa do Galo no então vilarejo do Crato chamado Tabuleiro Grande, o primeiro nome de Juazeiro do Norte. Depois dessa celebração, o jovem padre de 27 anos ainda teve um sonho revelador: Jesus Cristo aparecia para pedir a Cícero que morasse naquela vila e cuidasse daquele povo.

A história da primeira missa do Padim foi consagrada no relato de Amália Xavier, afilhada do padre e autora do clássico O Padre Cícero Que Eu Conheci. Mas eis que surge uma controvérsia: a historiadora Fátima Pinho afirma que, naquela noite de Natal de 1871, o Padim estava há mais de 600 quilômetros de distância do Cariri.

Fátima Pinho defende a tese com documentos da própria Igreja Católica, como registros de batismo, casamento e óbito. Eles mostram que, entre outubro de 1871 e janeiro de 1872, o Padre Cícero trabalhava em Trairi e nas comunidades circunvizinhas do vilarejo localizado no Norte do Estado.

A afirmação contesta a narrativa fundadora de Juazeiro do Norte. Exagerando, é como dizer que o Menino Deus nasceu em Jerusalém e não em Nazaré. É um detalhe que faz diferença.

Mas, afinal, quando o Padre Cícero teria celebrado pela primeira vez em Juazeiro do Norte? Para a historiadora, é possível dizer que ele só chegou ao vilarejo em abril de 1872. No dia 13, inclusive, celebrou mais de uma dezena de batismos.

Além disso, a decisão de morar em Juazeiro do Norte estaria ligada mais à necessidade financeira do Padre Cícero do que a um sonho profético. Ele tinha que sustentar quatro pessoas: a mãe, duas irmãs e ainda Maria do Padre, mulher escravizada liberta que morava com a família Romão Batista. O vilarejo estava sem vigário. Era uma oportunidade de emprego.

Não é a primeira vez que um fato da vida do Padre Cícero é apontado como erro histórico. Em 2018, foi revelada que a data de nascimento seria outra: 23 e não 24 de março, que é feriado na cidade fundada por ele. Aliás, mesmo depois da correção histórica, a data continua sendo celebrada no dia 24.

E aí está a diferença do Cearense do Século para qualquer outro brasileiro biografado. Na vida do Padre Cícero, realidade e mito se misturam. E, às vezes, a crença se sobrepõe a qualquer evidência histórica. 

Os romeiros convivem com essas contradições sem sofrimento, atribuindo muitos milagres ao santo popular. O primeiro e mais evidente é o de ter transformado um vilarejo de 30 famílias em uma cidade com quase 300 mil habitantes.