Mestre Júlio Santos, último grande artista da fotopintura, conta como sua arte encantou de Tribalistas a Lula

Há mais de 60 anos, o cearense mantém viva a fotopintura, mesmo se adequando aos novos tempos e sem temer o avanço da tecnologia

A vida de Mestre Júlio Santos se mistura com a história da fotopintura no Ceará. Aos 12 anos, quando menino, se deparou com a magia feita nas imagens do recém-aberto Áureo Studio, espaço que transformava as fotos em preto e branco em quadros coloridos. Logo, ele decidiu que abandonaria a vida no mosteiro beneditino onde vivia, em Pernambuco, para fazer morada junto ao pai nessa nova empreitada que era pintura. De lá pra cá, já são 68 anos dedicados à fotopintura que começou com as placas de vidro e hoje acontece através das telas dos computadores.

O cearense contou no episódio desta quinta-feira (15) do Que Nem Tu como conseguiu fazer seu trabalho resistir ao tempo e a tantas mudanças tecnológicas. Referência no Brasil, o fotopintor orgulha-se se ter imagens suas penduradas em lugares de honra: nas paredes das casas, em museus e galerias e, principalmente, nos afetos de quem vê alguém que ama retratado com amor. 

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Desde 1956, todos os dias ele monta seus instrumentos de ofício- que foram mudando com o tempo e a tecnologia -  para pintar e "realizar desejos". Já fez quadros do presidente Lula a imagens de Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes. A foto do trio, por exemplo, foi ampliada e levada para o cenário do show dos Tribalistas. Júlio nem sabia o que aconteceria quando Batman Zavareze, responsável pela concepção visual do espetáculo, o telefonou e pediu retratos. O mestre enviou pra mais de 100 de seu acervo.

Depois, veio a "encomenda" de pegar fotos 3x4 de Marisa, Brown e Arnaldo com idades entre 15 e 18 anos e transformá-las num retrato afetuoso de Brasil. Nas mãos do fotopintor, os retratos foram recuperados e unidos a um a um em uma só foto. Tudo manualmente. Depois foi feita uma nova cópia, ampliada e só aí são realizadas as intervenções em pintura. Para o trio, o Mestre fez as roupas, acessórios e a imagem foi uma referência a Dona Flor e Seus Dois Maridos. Saiu por aí a rodar pelo Brasil e a espalhar nome de Júlio para novas e antigas gerações.

Mas as emoções não param por aí. Ele foi a seu primeiro show da vida, quando os Tribalistas vieram à Fortaleza com a turnê. Dentro de um CFO lotado e vibrante, foi homenageado pelos cantores e aplaudido por um público encantado. Júlio lembrou que a ele só foi dada a tinta da emoção e chorou.

"Começa o show, e aí eles cantam a primeira música e param. Silêncio. 'Esse show é em homenagem a mestre Júlio Santos, artista..'. Sério. Para com isso, cara. É demais, né? E aí você sente o povo todo se virar pra olhar pra você, pode? E aí quando eles ficam falando 'salve mestre'. O povo batendo palma, gritando. Cara, aí você não aguenta, aí você arreia. E aí você derrete. Nossa, não tem como você se livrar daquilo, não é? Como... onde eles vão me levar, não é? Onde isso vai me levar?", relembrou esse momento tão marcante.

Mestre Júlio tem uma cabeça fresca, cheia de datas, nomes e acontecimentos que saem na ponta da língua. Ele é um contador apaixonado da história da fotopintura. Contou, no podcast, como os primeiros estúdios nasceram e como se organizavam. E chegou a relatar como os vendedores tiveram um papel muito importante para popularizar essa arte que na época vendia mais que a possibilidade de trazer cor para as fotografias. Júlio explica que se vendia ilusão junto com a possibilidade de mudar os tipos de roupas, colocar jóias e acessórios mais finos, juntar pessoas que não estavam no mesmo local e até mesmo dar vida a um defunto.

"As coisas mais bizarras que a gente achava era você mandar um retrato de um morto para fazer ele vivo. Hoje você teria muito mais possibilidades, mas na época você não tinha, você tinha que pegar um negativo e entortar, olha como era... desfocava uma parte e focava a outra, e aí você conseguia tirar uma imagem. Mais ou menos do que seria ele. E pelo formato do rosto, pelos cabelos, você via a tonalidade de pele. E aí você botava roupa, paletó gravata no cara, e aí quando chegava lá as pessoas choravam", relata sobre os pedidos mais diferentes que chegavam.

Hoje, Júlio diz que as coisas estão mais absurdas. "Hoje é louco total.  Você pegar pessoas e, vamos dizer assim, você botar uma família de N pessoas e botar um cachorro de paletó e gravata. Você pegar o gato e fazer a mesma coisa. E hoje você se depara com essas coisas, de tudo parece!", brinca.

Ele também explicou como foi dominando as tecnologias para fazer a fotopintura viva. Ele fala até mesmo que não tem medo da Inteligência Artificial. Faz todo o sentido. Afinal, ele viu muitas vezes decretarem a morte de seu ofício a cada novo tempo e novas ferramentas. Feito milagre, ela tá viva. "Ela só vai fazer o que eu faço até ontem.O que eu vou fazer amanhã ela não vai conseguir porque ela é apenas o que nós já somos. Todo dia eu me desafio. Todo dia eu boto 20 pessoas aqui atrás de mim e fico ensinando eles a fazer o que eu faço sem ter ninguém. E aí você vai imaginar que eu sou louco. Mas é como eu faço para encontrar motivação para estar diante de um cavalete digital, que pra mim o monitor de um computador é nada mais do que isso".