A Câmara aprovou nesta segunda-feira (21), por 258 votos a favor e 136 contrários, o texto-base da medida provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras. A proposta, porém, é alvo de questionamentos, que devem parar na Justiça.
Agora os deputados vão analisar os destaques -sugestões de mudanças pontuais no texto. Se não for aprovada até esta terça-feira (22), a MP perde a validade. Após o aval da Câmara, o projeto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
O avanço do aval para a privatização da Eletrobras representa uma vitória da agenda do ministro Paulo Guedes (Economia). Para isso, porém, o governo teve que ceder à pressão de congressistas e empresas do setor de energia. A desestatização da companhia é uma das principais prioridades de Guedes, que ainda não conseguiu destravar seu plano de vender empresas públicas.
A discussão da privatização da Eletrobras começou durante o governo do então presidente Michel Temer (MDB), que não conseguiu aprovar a medida no Congresso.
Participação da União
O objetivo inicial da medida provisória era possibilitar o aumento de capital da Eletrobras por meio da diluição da participação da União no controle da empresa. A ideia era que a companhia lançasse ações com direito a voto (ordinárias), diminuindo para cerca de 45% a fatia que a União tem hoje na elétrica. A MP permite ainda que a União faça uma oferta secundária de ações, vendendo sua própria participação na empresa.
No entanto, tanto na Câmara como no Senado o texto ganhou vários jabutis (mudanças que não estavam na versão original da proposta) que, segundo a União pela Energia, que reúne entidades do setor elétrico, poderão ter um custo de até R$ 84 bilhões, além de piorar a percepção de segurança jurídica entre investidores. O governo diz que, apesar dos jabutis, haverá redução no preço de energia e chama a proposta de uma modernização no setor elétrico.
O principal jabuti e que corre risco de judicialização está no mesmo parágrafo que estabelece o aumento de capital da Eletrobras. O trecho é considerado, por críticos à proposta, uma reserva de mercado para a contratação de termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas em regiões do país, além de prorrogar os contratos do Proinfra (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) por 20 anos.
Pelo novo texto, serão distribuídos 1 GW para a Região Nordeste, 2,5 GW para a Região Norte, 2,5 GW para a Região Centro-Oeste e 2 GW para a Região Sudeste. No fim de maio, a Câmara chegou a aprovar uma versão que previa 6 GW. Essa contratação, portanto, foi ampliada no Senado na semana passada e confirmada nesta segunda pela Câmara.
Interiorização de usinas
A instalação desses empreendimentos gera polêmicas. Enquanto alguns dizem que a pulverização dos projetos no interior do Brasil favorece a economia nacional, outros afirmam que eles contrariam a lógica econômica, já que vão exigir investimentos bilionários na construção de gasodutos e linhas de transmissão apenas para favorecer grupos privados que atuam especificamente nesses locais do país.
André Soares de Freitas Bueno, membro da comissão de energia da OAB-SP, critica o texto e afirma que a MP incluiu vários temas que não têm relação com o aumento de capital da Eletrobras.
"O mais desastroso é uma reserva de mercado para contratação de térmicas a gás em determinadas regiões do país", afirma. "Basicamente, redutos dos deputados e senadores. É uma festa para todo mundo.
O governo está forçando a construção de termelétricas onde não tem gás, não tem gasoduto e nem linha de transmissão. Quem ganhar o leilão vai ter que arcar com esse custo, que será repassado aos consumidores."
Na avaliação dele, o risco de judicialização é grande, pois a medida contraria o princípio de modicidade tarifária. "Tudo o que o governo faz é para garantir a melhor tarifa para o consumidor. Quando você desvirtua, você destrói esse princípio básico e os consumidores pagam mais caro sem nenhuma racionalidade técnica."
Ele afirma também que o governo atropelou atribuições da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia e que elabora as diretrizes para expansão do setor elétrico. "É a EPE que faz essas análise de quanto precisa acrescer de energia, olhando a modicidade. É papel da EPE fazer isso, não do Congresso."
Base termelétrica
O parágrafo que traz a obrigação de contratar as termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas foi criticado por sua extensão -são mais de 650 palavras.
A Constituição estipula que o veto parcial somente pode abranger texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. Ou seja, se Bolsonaro quisesse vetar o trecho que traz a reserva de mercado, teria que vetar o aumento de capital da empresa, o principal objetivo da medida provisória.
Relator do texto, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) foi questionado sobre se o extenso parágrafo que trata das concessões de termelétricas tinha objetivo de evitar um veto de Bolsonaro e respondeu: "mais ou menos. Mais ou menos fica mais assegurado que a vontade do congresso vai prevalecer neste assunto."
Líder do PSB na Câmara, o deputado Danilo Cabral (PE) lembrou que a norma que rege a técnica legislativa exige que as leis tenham frases curtas e concisas, para serem claras, e que, para serem lógicas, devem restringir o conteúdo de cada artigo a um único assunto ou princípio, expressando por meio dos parágrafos, incisos, alíneas e itens as discriminações e enumerações pertinentes.
Na avaliação dele, o parágrafo "é o perfeito exemplo de má técnica legislativa". "Mais grave do que isso, a questão de técnica legislativa, nesse caso, está longe de ser um mero erro. Ela se presta a ferir uma regra basilar da Constituição da República, que é a relativa ao veto presidencial."
Em resposta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o parágrafo extenso está de acordo com o regimento da Casa. "Agora, como ele não fere o preceito regimental que abale a questão de ordem impetrada, não tenho outra alternativa senão negar a questão de ordem."
Oposição
Partidos da oposição já sinalizaram que devem entrar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar barrar a privatização. A articulação envolve bancadas da Câmara e do Senado.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, informou ainda que o partido irá apresentar um projeto de decreto legislativo ao Congresso para que haja um referendo sobre a desestatização da Eletrobras.
A proposta aprovada atropela o Ibama e a Funai para dar início à construção de uma linha de energia elétrica de alta tensão na terra indígena waimiri-atroari (Amazonas e Roraima). O texto diz que, uma vez que concluído o Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), fica a União autorizada a iniciar as obras do Linhão de Tucuruí. O caminho comum é que a Funai e o Ibama emitam parecer quando esse plano fica pronto.
Numa vitória do governo, a Câmara derrubou um pedido da bancada do Piauí. O Senado havia previsto que o estado receberia uma indenização de aproximadamente R$ 260 milhões pela privatização da Cepisa (Companhia Energética do Piauí).
Também foi derrubado o jabuti que determinava que, a partir de julho de 2026, todos os consumidores poderiam optar pela compra de energia elétrica de qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica. Pelo texto, haveria uma redução gradual da demanda mínima para essa escolha livre. Essa medida será discutida em outro projeto na Câmara.
A MP foi enviada pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de fevereiro. Foi uma sinalização ao mercado de que a agenda liberal de Guedes segue de pé.
Embora tenha se manifestado contra a privatização da Eletrobras durante a campanha, Bolsonaro passou a defender a medida. Nesta quarta (16), o presidente disse que haverá um "caos energético" no Brasil sem a aprovação da MP da privatização.
A expectativa é que União arrecade cerca de R$ 60 bilhões com a operação. Para aprovar a privatização, o governo aceitou ficar com uma fatia menor desse valor, e conceder uma parcela maior para políticas no setor de energia.