A inflação dos alimentos segue descolada do índice oficial de variação dos preços. Enquanto em outubro o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) geral mostrou alta acumulada de 6,47% nos últimos 12 meses, o índice segmentado para alimentação e bebidas já acumula aumento de 11,21%.
Apesar desse cenário, o consumo nos lares teve alta de 2,84% em setembro, de acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A associação também apontou uma queda no valor da Cesta Abrasmercado, que acompanha os preços de alguns alimentos.
Inflação e consumo são dois índices que se relacionam. Enquanto uma menor inflação pode incentivar o consumo, quando há mais consumo, há tendência de uma maior pressão inflacionária diante da lei da oferta e da demanda.
Para o economista Ricardo Coimbra, do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), o aumento no consumo tem relação com benefícios sociais, como é o caso do Auxílio Brasil, e de uma expectativa de ganho real no salário mínimo no ano que vem.
Pressão inflacionária sobre os alimentos
O índice geral de inflação teve três meses de deflação até atingir alta de 0,59% em outubro. No caso do setor de alimentação e bebida, houve deflação apenas em setembro.
Coimbra explica que os preços do setor são bastante suscetíveis a mudanças devido a colheitas e o câmbio, o que pode impactar em altas. Segundo ele, o próprio consumo das famílias, incrementado por programas sociais, pressiona o preço dos alimentos.
Continua tendo uma pressão por alimentos, nesse período do ano tem alguns problemas relacionados a entressafra, por isso tomate, batata e cebola tiveram alta. Você continua tendo esses fortes efeitos do consumo de alimentos e isso está muito ligado a essa capacidade de consumo gerada”
Ele ressalta que o maior problema com relação à inflação dos alimentos é que o salário mínimo não é corrigido em igual parâmetro, o que faz com que as famílias tenham um menor poder de compra.
“A gente observa uma pressão ainda muito grande sobre os preços dos alimentos, a capacidade de consumo não acontece na mesma medida porque o comprometimento da renda está muito elevado. O Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] faz uma relação entre a cesta básica e o salário mínimo e a gente observa que o nível de comprometimento da cesta básica em relação ao salário mínimo vem se deteriorando”, diz.
Uma solução para o problema vem sendo estudada pela equipe de transição do governo, que propõe reajustar o salário mínimo somando a inflação à média de crescimento do PIB dos últimos 5 anos.
Aumento no consumo
Para a mestre em economia pela UFC Antonia Amanda Araújo, o aumento do consumo pode ter relação com uma escolha dos consumidores por um consumo imediato e menos planejado.
Existe uma troca intertemporal com relação a prioridades dos indivíduos. As pessoas estão preferindo fazer o consumo hoje e deixar para o futuro outros itens. Esses bens necessários são alimentação e não necessariamente vestuário”
Segundo ela, a alta também pode ser relacionada à substituição de bens por itens de menor valor, como marcas mais baratas. Contudo, a pesquisa da Abras mostra um cenário diferente.
De acordo com os dados da associação, houve um aumento de 1,1 p.p. no percentual de consumidores que consomem produtos considerados premium. O aumento é ainda maior quando se considera o segmento de produtos de limpeza, onde houve alta de 7,2 p.p. em setembro.
Ricardo Coimbra relaciona que essa melhora na qualidade dos produtos é um cenário vivenciado sobretudo pelas classes mais elevadas. Ele explica que o consumo de produtos mais caros nos supermercados pode ser um reflexo do aumento da inflação de alimentação fora do lar.
“Como você teve um crescimento muito grande da inflação fora de casa, uma parcela passou a consumir dentro de casa. Essa parcela provavelmente consome produtos premium, mesmo que ela deixe de se alimentar fora de casa ela volta para casa e consome produtos premium, que para eles é mais barato em casa do que consumindo fora de casa”, coloca.
Perspectivas
Mesmo com o preço dos alimentos ainda alto, os economistas concordam que as perspectivas para o futuro são otimistas.
“Tem-se um cenário positivo, mas seria um cenário positivo considerando uma maior estabilidade da economia, principalmente porque o pós-pandemia está muito recente. Os setores estão voltando a produzir, as pessoas estão voltando a trabalhar. A economia está se movimentando, isso é muito positivo”, afirma Amanda.
O direcionamento fiscal e monetário do próximo governo, contudo, pode modificar as expectativas.
“O que a gente pode observar é que existe uma tendência de estabilização ou queda dos índices inflacionários para um patamar mais baixo, isso pode melhorar um pouco. Mas vai depender bastante do direcionamento em relação à situação fiscal, de que forma o governo de transição vai mostrar um equilíbrio futuro das contas públicas”, projeta Coimbra.