'Nova CPMF' pode elevar preço ao consumidor, dizem especialistas

Segundo economistas e advogados tributaristas, intenção do Governo de desonerar a folha de pagamento é positiva, mas projeto do novo tributo ainda carece mais detalhamento para entender impactos sobre a cadeia produtiva

O líder do Governo no Congresso Nacional confirmou, ontem (28), a criação de um novo imposto sobre transações financeiras. O tributo, ainda não detalhado, mas que se assemelha à antiga CPMF, deverá ter uma alíquota de 0,2% e servir como balanceamento para a desoneração da folha de pagamento. Contudo, especialistas consultados pela reportagem apontaram para o risco de que o peso tributário acabe sendo direcionado para a consumidor final, apesar da intenção de criar empregos. 

Segundo o anúncio do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), o novo imposto sobre transações financeiras deverá estar atrelado ao projeto do Governo Federal em desonerar a folha de pagamento. O objetivo é proporcionar condições melhores aos empresários para a criação de novos empregos durante o processo de retomada da crise causada pelo novo coronavírus. 

A alíquota desse novo imposto sobre transações financeiras deverá ser 0,2% e tem uma previsão de gerar um aumento na arrecadação entre R$ 120 bilhões e R$ 130 bilhões, segundo economistas. 

O valor seria “mais do que suficiente” para garantir uma redução da carga sobre a folha de pagamento. Atualmente, uma empresa paga cerca de 20% de contribuição previdenciária sobre os salários dos empregados, algo que o Governo pretende reduzir. 

Contudo, a movimentação acendeu uma luz de alerta para os especialistas. Um dos pontos de preocupação para o advogado tributarista e diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET), Schubert Machado, é que ainda não há muitas informações sobre o projeto, então é difícil prever qual será o peso real dessa mudança no sistema tributário. Ele apontou, por exemplo, que o governo ainda não indicou que tipos de transações financeiras serão taxadas e como. 

Além disso, Schubert considera que o projeto ainda poderá ter muitas mudanças, considerando que até mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, já foi “desautorizado” pelo Governo Federal, causando alterações em outros programas. 

“Nós estamos trabalhando com uma informação de um senador e já tivemos momentos em que o Paulo Guedes foi desautorizado pelo presidente, então não podemos saber o que de fato pode acontecer. Não temos como ter uma avaliação técnica ainda”, disse. 

Apesar das considerações sobre o caráter inicial do projeto, Schubert apontou que há, sim, um risco que o novo tributo acabe pesando mais sobre o consumidor final. Ele fez um paralelo com outros momentos da história brasileira relacionada a alterações do sistema tributário e criação de novos impostos, como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Ainda assim, Machado destacou que a iniciativa de desonerar a folha de pagamento está no “caminho certo”. “A criação de novos tributos é sempre muito odiosa e estamos sempre prontos para rejeitar esses tributos, mas nosso sistema tributário onera de forma muito forte, e sem nenhum respaldo das diretrizes da economia, o emprego. Então, acho que nesse ponto a ideia do governo está certo”, afirmou o advogado. 

Mercado

Para o economista e presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará, Ricardo Coimbra, o risco está relacionado ao fato de que um imposto como a CPMF poderia ter um caráter cumulativo, causando impactos em várias etapas da cadeia produtiva. Ele citou o exemplo de produtos como o algodão, que passam por várias fases até chegar à indústria de confecção para, em seguida, ser negociado como uma peça de roupa.

Nesse processo, Coimbra explica que os custos de cada operação financeira entre as empresas envolvidas pode acabar sendo repassado para o consumidor, que poderá sentir uma alta considerável de preços em alguns setores. Para o economista, quanto mais camadas tiver uma cadeia produtiva, maiores os riscos para que o novo imposto sobre operações financeiras cause alterações nos preços ao consumidor final. 

“O problema é que esse tipo de imposto é cumulativo, então significa dizer que setores e atividades que têm muitas fases vão pagar esse imposto a cada etapa, o que pode aumentar os preços de alguns produtos. Se eu vendo algodão, por exemplo, nas etapas para virar fio, blusas e etc, se eu cobrar 0,2% esse imposto isso vai ser repassado no preço final”, apontou Coimbra.

Essa movimentação de transferência de carga tributária das empresas para o consumidor, segundo o presidente do Corecon-CE, reforçaria o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro, pensado mais sobre consumo e renda.

“Você tira o imposto que é pago no setor produtivo e você transfere isso para o consumidor final. Você transfere esse peso para o consumo, tirando do setor produtivo, então isso talvez não seja interessante”, destacou.
“O governo acredita que assim ele pode gerar mais empregos, mas o impacto disso vai ser ao longo do tempo, com o peso sendo pago pelo indivíduo, ou seja, é mais imposto para a população”, completou o economista.

Outro fator prejudicial ao mercado brasileiro é que, se a “nova CPMF” gerar esse encarecimento de produtos, o nível de consumo poderá ser reduzido consideravelmente. Coimbra apontou que, durante a pandemia, a renda média do brasileiro acabou sendo reduzida pela queda do nível de atividade econômica. Com um poder de compra menor e com produtos mais caros pelo novo imposto, o mercado poderia ter ainda menos atividade econômica. 

“Isso pode gerar um efeito na redução da capacidade de compra dos indivíduos. Você vai dificultar a capacidade de geração de riqueza no setor produtivo, se as pessoas diminuírem a taxa de compra. E nós já temos um nível de renda muito baixa”, disse.

“Além disso, é importante lembrar que os dados mais recentes do IBGE indicam que a renda do brasileiro pode ter caído em um quarto por conta da redução da jornada e as questões da pandemia, e do crescimento do desemprego”, completou o economista. 

Detalhes

Por conta dessas incertezas, o economista Alex Araújo ponderou que o Governo precisará dar mais detalhes sobre o projeto para que os impactos possam ser mensurados. Contudo, ele destacou que o Governo Federal tem realizado um trabalho de articulação nas últimas semanas para acelerar a votação para a nova CPMF. O projeto já deverá ser entregue no Congresso na próxima sexta-feira (2).

“Já existe uma negociação para permitir que votação seja acelerada. O Governo tem melhorado a articulação e isso pode nos surpreender”, disse Araújo.