O Governo Federal publicou no Diário Oficial da União (DOU) na terça-feira (26) a Medida Provisória (MP) 1.182/2023, que regulamenta o "mercado das bets" no Brasil. Para além da questão jurídica e política, a tributação prevista para a modalidade deve aumentar a arrecadação dos cofres públicos.
Os pontos do texto dispõem sobre as taxas a serem pagas tanto pelas casas de apostas quanto pelos prêmios, bem como a proibição de quem pode apostar.
Aliada a MP, também foi enviado ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que irá regulamentar a estrutura e a fiscalização desse mercado. A MP tem de ser apreciada em até 120 dias pelos parlamentares para não perder a validade.
Esse é o valor que o Governo Federal espera arrecadar com o mercado das casas de apostas em cenário de máximo faturamento e consolidação.
Inicialmente, a partir de 2024, o Ministério da Fazenda espera arrecadar anualmente em torno de R$ 2 bilhões. Com a consolidação do mercado regulamentado, esse valor deve subir entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões - máximo valor previsto nos estudos do Governo na arrecadação com as casas.
As bets, como são chamadas as casas de apostas, e os vencedores das apostas serão tributados em esquema similar ao que já acontece no caso das loterias. No caso dos ganhadores, a taxação sobre o prêmio a ser recebido será de 30% referente ao Imposto de Renda, respeitada a isenção de R$ 2.112.
As casas de apostas, por sua vez, serão taxadas em 18% sobre a receita que ganham com todos os jogos após o pagamento dos prêmios aos jogadores e imposto de renda sobre a premiação.
Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste celebraram a regulamentação e acreditam até na expansão do mercado com as novas leis, mas mostraram cautela no que diz respeito à proteção ao consumidor.
INCREMENTO IMEDIATO
O economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, acredita que o intuito é aumentar o orçamento, em curto e médio prazo, no Ministério do Esporte, uma das principais beneficiadas com os recursos oriundos das bets.
"A tributação de 18%, correlata a outras tributações, vai ser uma tributação complementar. Eles alegam que vai haver uma tributação maior a paga em outros países, mas é muito semelhante ao que já se tem hoje nas loterias regidas pelo Governo Federal. É mais uma forma de arrecadação e de distribuição de recursos, visto que o principal objetivo é destinar recursos para o esporte e outras áreas relacionadas", pontua.
No caso da taxação das casas de apostas, dos 18% retidos pela tributação, 3% irão para o Ministério do Esporte. Os 15% restantes serão divididos entre:
- 10% de contribuição para a seguridade social;
- 0,82% para educação básica;
- 2,55% ao Fundo Nacional de Segurança Pública;
- 1,63% aos clubes e atletas que tiverem seus nomes e símbolos ligados às apostas;
Ricardo Coimbra avalia ainda que a regulamentação já era desejo das próprias casas de apostas, mesmo que ainda haja o ajuste - ou não - na taxação de 18%. Para ele, é um mecanismo legal de uma área que já entrou na cultura da população.
"A regulamentação, não só da MP, mas de outras aprovações conjuntas, é interesse porque você formaliza uma atividade que já está no dia a dia do cidadão e faz com que os setores que atuam no segmento de apostas cheguem a gerar a tributação e redistribuir recursos para outras áreas, principalmente sociais", avalia.
Pedro Amaral, do escritório Amaral e Bohrer Advogados e especialista em direito do consumidor, traz o panorama da tributação do ponto de vista legal, traçando um paralelo entre as bets e o pôquer.
Segundo ele, o envelopamento das casas de apostas como atividade legal ampliou a possibilidade de o Governo aumentar a arrecadação sobre o mercado que, nos últimos cinco anos, vem explodindo em todo o País.
"Se trouxe para o Brasil as casas esportivas com a mesma ideia de que era o pôquer: que não era um jogo de azar, que precisava de habilidade, e no Brasil se envelopou como entretenimento. Por isso, o Estado se aproveitou para regulamentar quem pode participar, quem pode apostar", discorre.
MUDANÇAS PARA BETS E APOSTADORES
O professor da FGV Direito Rio, Daniel Dias, ressalta que a regulamentação deve acelerar o crescimento exponencial do mercado das casas de apostas, que vem se consolidando desde 2018. Apesar disso, ele alerta que é preciso ter cuidado para não transformar em vício a prática da aposta.
"Como pontos positivos são a formalização do setor, abertura de uma nova fonte de receita para o Estado e aumento da segurança para apostadores. Como ponto negativo, está a prática que pode levar a vício e ao empobrecimento da população que não souber lidar com as apostas de uma maneira controlada", declara.
Daniel Dias também dispõe sobre as pessoas que estão proibidas de fazerem as apostas. Com a regulamentação, as bets também têm de manter canal direto com o Governo no caso de eventos suspeitos de manipulação de resultados.
"A MP proíbe pessoas, como menores de 18 anos, dirigentes das empresas de apostas e agentes públicos responsáveis pela regulação ou fiscalização da atividade. Também não poderão fazer apostas pessoas que tenham qualquer influência no resultado do evento, como dirigentes esportivos, atletas e árbitros e inscritos nos cadastros nacionais de proteção ao crédito. Em alguns casos, a proibição se estende aos cônjuges, companheiros e parentes até segundo grau", enumera o professor.
MAIS APOSTAS?
Com a regulamentação e as proibições de determinados públicos em realizarem as apostas, é esperado que parcela da população ainda reticente com as bets possa também entrar no mercado como apostadores, incrementando a receita.
"À medida que você tem essa regulamentação de forma mais transparente e efetiva, você acaba transformando isso de forma mais prática no dia a dia para aquele que gosta do mercado de apostas. Tem uma parcela significativa da população que é meio insegura pelo fato de não ser regulamentada, então pode ajudar no médio e longo prazo", diz Ricardo Coimbra.
O cenário de as bets estarem reguladas, no entanto, ainda traz ressalvas no que diz respeito ao direito ao consumidor.
Sem maiores proteções e salvaguardas aos apostadores, o mecanismo criado prioriza a arrecadação tributária em detrimento dos apostadores.
.Não muda o problema e nem cria nenhuma regra nova para endereçá-lo. O que muda é que agora cria-se um mecanismo para dizer que essa atividade é legal, ganha-se a possibilidade de apreciação do Estado. Dá pelo menos a legitimidade para que essas casas respondam por eventuais prejuízos ao consumidor, por mais que não esteja escrito. Se vai demandar o Código de Defesa do Consumidor, é outra história mais para a frente.