O recolhimento de tributos ocorre para retornar aos contribuintes em áreas essenciais como a saúde e a educação, além do custeio da máquina pública. Mas quando a avaliação é de que a alta carga tributária não condiz com a qualidade dos serviços prestados, como no Brasil, quais as soluções para melhorar a distribuição desses recursos e garantir uma vida melhor para a população?
Há alguns anos se discute sobre a necessidade de uma reformulação do sistema tributário brasileiro e as opiniões sobre o potencial que essas mudanças têm de ajudar a melhorar a distribuição desses recursos e contribuir para a qualidade de vida se dividem.
O presidente da Associação Brasileira de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Spada, contextualiza que essa avaliação de que os impostos não retornam para a população está atrelada a alguns fatos.
Primeiramente, ele destaca que o Brasil é um país de renda média baixa, com uma carga tributária de 33% do Produto Interno Bruto (PIB), que é um percentual de países desenvolvidos. Além disso, por se tratar de um país muito populoso, a conta basicamente não fecha.
“O PIB do Brasil é menor do que o PIB da Itália, então a Itália arrecada mais recursos do que o Brasil. Porém a população do Brasil é de mais de 200 milhões e a população da Itália é seis vezes menor do que isso, então estamos falando de seis vezes mais recursos por habitante para investir em saúde, em educação”, explica o presidente da Febrafite.
Políticas públicas
Ele lembra que o Brasil é um país com muitas pessoas necessitadas, o que exige políticas públicas de distribuição de renda, saúde e educação, o que muitas vezes não acontece em países desenvolvidos porque nessas nações os habitantes podem pagar, por exemplo, pela saúde, como é o caso dos Estados Unidos.
“Então quando nós falamos que os serviços são ruins, na verdade é que eles são compatíveis com a quantidade de pessoas que temos que atender”
Para ele, a Reforma Tributária tem um certo potencial de melhorar as desigualdades que assolam a população brasileira, com destaque para três pontos: o cashback de imposto, o fundo de desenvolvimento regional e o fundo de compensação.
“Há bons motivos para as pessoas do Nordeste defenderem a reforma, porque ela diminui as desigualdades regionais fortemente a partir desses três mecanismos de distribuição de renda e redução de desigualdade”, diz Spada.
O cashback de imposto, também conhecido como “cashback do povo”, tem a premissa de devolver à população mais pobre, em dinheiro, uma parte do imposto pago. Isso deve ser feito considerando as famílias que estão inseridas no Cadastro Único. “Os estados do Nordeste têm mais famílias no CadÚnico, então seria uma importante injeção na economia do Nordeste”.
“O cidadão faria a compra, colocaria o seu CPF e o sistema cruzaria os dados do CadÚnico com o das compras que ele fez no supermercado. É bom porque reduz desigualdade, ativa a economia, é um dinheiro que vai pro comércio, gera mais arrecadação e volta para o contribuinte”, ressalta o presidente da Febrafite. Ele destaca que a sistemática já existe no Rio Grande do Sul e em outros países.
Ele também pontua que o fundo de desenvolvimento regional deve ajudar estados menos favorecidos para que tenham condições de atrair empresas, gerando emprego nessas regiões. Avalia também que esse fundo é mais transparente do que a concessão de incentivos. “Os benefícios fiscais não são informações claras”.
O terceiro elemento é o fundo de compensação de perdas, cujo intuito é compensar as perdas de arrecadação na esteira das mudanças de dinâmica econômica provocadas pela Reforma Tributária. “Aí vão ser avaliados entes federativos para evitar perdas nos próximos anos”, fiz Rodrigo Spada.
Tributação sobre a renda e o patrimônio
Se por um lado existe a avaliação de que a Reforma Tributária tem o potencial de dirimir as desigualdades e provocar melhorias na vida dos brasileiros, por outro existe a preocupação de que o texto não estaria olhando para pontos sensíveis que penalizam as famílias mais pobres.
O presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), Schubert Machado, critica o modo como ocorre a tributação sobre a renda e o patrimônio dos contribuintes mais ricos e destaca que, hoje, a classe média é a principal pagadora de impostos. Ele diz que a reforma não está olhando para esse ponto.
“Hoje, quem ganha menos de R$ 5 mil tem o mínimo existencial, não era para estar pagando Imposto de Renda. Existe algo que a doutrina tributária chama de mínimo existencial, e o governo está tributando em 27,5% essas pessoas”
Ele lembra que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estabelece que o mínimo para sustentar uma família de quatro pessoas deveria ser de R$ 6.547,58.
“O Brasil é um país imenso e a arrecadação de Imposto Territorial Rural é 0,06% do total da arrecadação. Tributação sobre a renda é 12%, consumo uns 17% e somando tudo temos o total. Donos de terras não pagam impostos no Brasil”, critica Machado.
Unificação de impostos
Para além do retorno à população e da aplicação em áreas estratégicas, ele também destaca que as propostas de Reforma Tributária em discussão (PEC 45 e 110) não enfrentam o problema da complexidade do sistema tributário brasileiro.
“É colocada como uma grande conquista (essa unificação), mas não corresponde, para mim, a nossa necessidade. Esse imposto novo (IVA ou IBS) vai ser igual ou mais complexo que outros, ele traz consigo toda a complexidade dos impostos”, frisa ainda o presidente do Icet.
Educação fiscal
Rodrigo Spada acredita que, apesar da perspectiva de melhora com a Reforma Tributária, já que na avaliação dele isso dará mais transparência ao sistema, a melhora da distribuição passa não só por ela, mas também pela educação fiscal. “É um projeto de longo prazo (a educação fiscal) e isso deve transformar essa sensação de que não vale a pena pagar impostos. Há um caminho longo a ser trilhado”.