Se ter um familiar internado ou mesmo diagnosticado com Covid-19 gera preocupação e angústia, não possuir condições para arcar com os custos do tratamento só aumenta esta aflição. Famílias cearenses ouvidas nesta reportagem gastaram até R$ 80 mil em prol da saúde de um parente, com internações, equipes de profissionais particulares, medicamentos, entre outras necessidades.
O jovem Ramon Fontenele, de 33 anos, viveu dias de medo em um hospital particular da Capital cearense enquanto aguardava vaga em leito de enfermaria. “Fui ao hospital com 40 graus de febre e com a garganta muito inflamada. O médico não tratou como Covid, mas me recomendou fazer isolamento e passou uns remédios”, conta o promotor de vendas.
Com a piora do quadro, Ramon voltou ao hospital após começar a sentir falta de ar, que o impedia até de andar. “Me botaram logo no oxigênio, deram um medicamento para dor e febre. Fiz vários exames e constou que já estava com 25% do pulmão comprometido”.
No entanto, por ter feito recentemente o contrato do plano de saúde, determinados serviços ainda estavam em período de carência e, para Ramon ser internado, o hospital cobrou R$ 10 mil de caução, valor com o qual ele e a família não tinham como arcar.
‘Maior terror da minha vida’
“Eu estava passando muito mal, com falta de ar, febre, dores, mas eu não tinha esse dinheiro. Minha irmã e minha noiva ficaram tentando ver se poderia pagar depois, mas eles teriam que ter essa caução. Não tinha nem cartão com esse limite para parcelar. Passei uns cinco dias no maior terror da minha vida, eu pensava que ia morrer”.
A saída imediata da família foi fazer uma rifa para tentar arrecadar o valor. Enquanto isso, uma prima advogada deu entrada em uma ação judicial, que foi acatada por um juiz, para que o hospital garantisse o atendimento e tratamento adequados para o jovem, que precisou ficar quatro dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
“Minha noiva fez essa mobilização junto com meus amigos e minha família para pedir ajuda com rifa, conseguimos o dinheiro, mas ainda não deu para pagar o hospital, pois tudo deu R$ 37 mil”. Por enquanto, o processo do pagamento está suspenso, pois corre na Justiça. Mas Ramon já reconhece: “graças a Deus me curei dessa doença e estou aqui para contar história”.
Esforços para salvar o pai
Outro fortalezense, que preferiu ter a identidade preservada, enfrenta a dor de ver o pai internado em um hospital particular da Capital, por complicações da Covid-19, desde 13 de fevereiro.
No 5º dia de internação, o paciente precisou ser transferido para a UTI e, para garantir o melhor tratamento, a família contratou uma equipe de médicos intensivistas e técnicos em enfermagem particulares, parte contratada somente a partir do período de intubação.
De acordo com o filho, cada visita dos médicos custa R$ 500, assim como a diária paga à equipe de enfermagem. No período em que o pai dele foi intubado, os intensivistas chegavam a visitá-lo por três vezes, a um custo diário de R$ 1500. “Agora que ele está um pouco mais estável, estamos pagando R$ 500 por dia a cada equipe”, conta.
“O caso dele foi muito grave, com comprometimento pulmonar de mais de 90%. Por isso, a equipe médica sugeriu um tratamento alternativo, o tocilizumabe, um medicamento que já está sendo usado em outros países para frear a infecção da Covid”, relata.
Sem a cobertura do plano de saúde, a família precisou desembolsar cerca de R$ 15 mil para duas aplicações do fármaco.
“É bem complicado, mas a gente conta com ajuda de alguns familiares, um irmão dele doou uma das doses do medicamento, por exemplo. Vamos tentando da forma que dá, eu tinha algumas economias, a minha mãe também, mas nós não medimos esforços para prover o que está no nosso alcance”, acrescenta.
Além disso, a família tem tido custos com outros equipamentos necessários para a total recuperação do ente querido, como colchão e botas ortopédicas, exames, medicações. Ao todo, a estimativa é que já tenham desembolsado cerca de R$ 80 mil para o tratamento.
Prática abusiva
Embora o período de carência do plano de saúde esteja previsto na legislação brasileira, há determinadas situações que são caracterizadas como ‘abusivas’ por parte da operadora. De acordo com a Lei nº 9.656/98, a carência máxima de atendimentos de urgência e emergência, que implicam em risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, é de 24 horas após a contratação do plano de saúde.
“Nesses casos, a atitude é abusiva, especialmente em se tratando da vida de uma pessoa. Quando é questão de urgência, incluindo internações emergenciais, o plano de saúde não pode negar o atendimento nem cobrar essa caução, apesar do período de carência”, explica o advogado Rômulo Nogueira, vice-presidente da Comissão de Direito de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil – CE (OAB).
Já para aqueles casos em que o hospital do serviço particular está na sua capacidade máxima, Nogueira ressalta que é dever da unidade de saúde garantir o atendimento do paciente. “Ou coloca em um apartamento, ou em outro hospital privado. O que não pode é deixar de atendê-lo, se está faltando leito, devem providenciar”.
Nogueira orienta ainda que, antes de procurar a Justiça, o cliente pode procurar a ouvidoria da operadora ou a direção do hospital. Caso não tenham uma resposta rápida, deve-se partir para a judicialização.