Estado já foi preterido no passado por governo

Se fala de uma refinaria no Ceará desde o ano de 1965. Projeto foi marcado por frustração ao longo dos anos

"O Ceará sobrou novamente", lembra o economista Fernando Castelo Branco, presidente do Conselho de Economia, Finanças e Tributação da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec). Isso porque, segundo analisa, não é a primeira vez que o Estado é preterido pelo governo federal em relação à refinaria e a outros projetos estruturantes.

> Por que é tão difícil para o Ceará concretizar projetos estruturantes

"Desde 1965, época do governo Virgílio Távora, se fala desta história de refinaria. Naquela ocasião, houve o primeiro encontro em que foi lançada essa semente. Depois, o que Virgílio conseguiu foi expandir a Lubnor, que antes fabricava somente asfalto. Foi uma ideia que, de certo modo, prosperou porque gerou uma planta. Mas parou por aí", afirma Castelo Branco.

Ele recorda que a segunda tentativa para instalar uma refinaria no Ceará ocorreu no governo de Tasso Jereissati, sendo a bandeira a favor da instalação da usina em território cearense levantada várias vezes durante o governo de Cid Gomes.

Frustração

"Há sete anos, iniciaram estudo técnico para saber onde seria instalada uma refinaria no Nordeste. E todos os indicadores apontaram em favor do Ceará. Mas aí veio o presidente Lula e tomou a decisão de levar a refinaria para Pernambuco. E perdemos o bonde mais uma vez por uma decisão política, pois, pela sinalização técnica, seria o Ceará", diz.

Outro momento frustrante em relação ao esforço do governo do Estado para consolidar a refinaria em solo cearense, conforme Castelo Branco, ocorreu quando da decisão de instalar a Premium I no Maranhão.

"Depois de o governador assinar o protocolo de intenções para a instalação da refinaria no Ceará, o estado do Maranhão, com o prestígio de José Sarney, conseguiu ficar com o projeto, que tinha o dobro da capacidade da segunda refinaria, que foi prometida para o Ceará", acrescenta Castelo Branco.

Dívida

A partir do anúncio de que a Premium II viria para o Ceará, aponta, a Petrobras passou a ser beneficiada pelo governo estadual com isenções de tributos, como moeda de troca, gerando uma dívida em torno de R$ 160 milhões. "Agora, que a refinaria não saiu, a Petrobras deve aos cofres do Estado. Sem falar nos investimentos que o nosso governo fez em infraestrutura e com os gastos em desapropriações, somando mais de R$ 600 milhões", calcula.

Vazio

Para ele, resta ao Ceará agora ocupar o "vazio" deixado pelo projeto cancelado. "Ao meu ver, cabe uma mobilização para pensar ideias para trazer empreendimentos que preencha esse vazio, embora não exista uma substituição do porte que seria a refinaria, com todo o polo petroquímico em seu entorno. É preciso descobrir como dar a volta por cima e aproveitar quase dois mil hectares de terreno com todos os investimentos feitos".

Na opinião do economista, "o jogo não foi leal por parte do governo federal". "Se utilizaram da boa fé dos nossos governadores, com adiamentos recorrentes do projeto. Antes, apontavam pendências relativas à comunidade indígena Anacé, a licenças ambientais, ao terreno, mas tudo foi equacionado pelo governo do estado", pontua.

Com relação à nota da Petrobras, dizendo que o governo federal poderá retomar o projeto em dez anos, Fernando Castelo Branco acredita que essa sinalização é muito abstrata.

"Há indícios que nova adição de refino possa se dar a partir de 2025. Caso nova demanda se confirme para este horizonte, projetos de adição de capacidade de refino poderão voltar a fazer parte dos próximos Plano de Negócios e Gestão da Companhia", disse a Petrobras, em nota sobre o cancelamento. (AC)

É preciso mudar o foco econômico

Buscar projetos semelhantes ao da refinaria Premium II apoiados pela iniciativa privada, ampliar as apostas e os investimentos na Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) e descentralizar a economia para o Interior estão entre os caminhos sugeridos por especialistas para orientar o desenvolvimento do Estado, que até então direcionava muitos investimentos para o projeto cancelado pela Petrobras.

Mas, todas essas sugestões não surtirão efeito na economia e na qualidade de vida dos cearenses, segundo a avaliação do professor de Finanças do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Paulo Matos.

"Estamos insistindo na mesma receita faz tempo, e isso não funciona. Essa receita desenvolvimentista baseada em projetos pontuais, mesmo que grandes, como a refinaria, que se mostrou ma ilusão, não funciona", atesta o professor. Seja por meio de contratos firmados em parceria com a União ou com a iniciativa privada, a atenção a grandes projetos, nesse momento, não terá efeitos vantajosos, acrescenta Matos. O ponto chave é o investimento em educação.

Atenção desde a infância

"Mas não é aquele clichê que estamos acostumados a ouvir. É simples: fazer com que todas as crianças nascidas no Ceará, a partir dos quatro meses de idade, que é quando acaba a licença maternidade das mães, tenham acesso a berçário em tempo integral, das 7h às 17h, e continuar dando educação com essa qualidade até o nível médio", descreve, acrescentando ser fundamental que o direito seja garantido a todos, "sem disputar fila de madrugada" para conseguir uma vaga na escola.

Esse investimento, apesar de exigir grandes somas em dinheiro e trazer resultados a longo prazo, garantiria ao Estado algo fundamental para o desenvolvimento econômico e social, longe da dependência de grandes projetos: o capital humano. "É uma forma genérica de falar educação, cultura. Essas pessoas vão conseguir emprego, gerar emprego, e a gente não vai precisar que venha uma grande empresa de fora, como a refinaria", explica o professor.

No cenário atual, complementa Matos, o Ceará não teria mão de obra suficiente, de nível superior e mesmo técnico, para ocupar altos cargos caso o projeto da refinaria tivesse andamento. "Os principais cargos e empregos são ocupados por pessoas que vêm de fora", diz.

O modelo de investimento maciço em educação desde as séries iniciais, lembra o professor, foi adotado pelos países asiáticos e já vem sendo utilizados em algumas cidades da região Sul do Brasil. "É preciso botar o freio nesses projetos megalomaníacos. De que adianta essas grandes obras se, embaixo delas, ainda vemos muitas pessoas pobres?", questiona Matos.

Suspensão impacta outros projetos

Refinaria à parte, o presidente do Conselho de Economia, Finanças e Tributação da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Fernando Castelo Branco, garante que as dificuldades do Estado para concretizar empreendimentos atingem também outros projetos. Fato que impacta diretamente na geração de emprego e renda e no impacto positivo sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e na balança comercial cearenses.

"É sempre um parto dificílimo. No caso da siderúrgica, também. Ainda no segundo governo Virgílio Távora, ele chegou a desapropriar uma área na BR-222 para implantar o projeto. Mas também não prosperou. Depois, no governo Tasso, foi feito um protocolo envolvendo uma empresa alemã e um grupo nacional para implantar a siderúrgica, além da Petrobras, que forneceria o gás, mas depois disse que o empreendimento não era viável. Então, só agora, já no governo Cid Gomes, a siderúrgica tomou corpo com a Vale, a Posco e Dongkuk. Mesmo assim, no ano passado, as obras pararam por cinco meses por conta da greve de 12 mil funcionários", afirma.

Além desse tipo de entrave, Castelo Branco diz que os problemas ambientais também são recorrentes no Estado, interferindo na segurança jurídica e afastando o investidor.

"Temos o exemplo da fuga do Ceará com relação à geração de energia eólica. Enquanto outros estados carregam o investidor no colo, aqui no Ceará, é imposta toda essa dificuldade", lamenta o membro da Fiec. (AC)