Em meio ao desemprego, Ceará tem recorde de demissões voluntárias; entenda os motivos

Já são mais de 97 mil demissões voluntárias nos últimos 12 meses, maior número desde o início da série histórica, em 2004

O Ceará registrou número recorde de demissões voluntárias nos últimos 12 meses contados até de maio de 2022. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) compilados pela consultoria LCA, 97.884 cearenses pediram demissão durante o período, o maior número da série histórica iniciada em 2004. 

O recorde local segue tendência nacional. Ao todo, 6.175.088 brasileiros pediram demissão no período entre maio de 2021 e maio de 2022, maior número já registrado. 

Demissões voluntárias ocorrem em um momento em que o mercado de trabalho se recupera lentamente de um período de índices recordes de desemprego. No primeiro trimestre do ano, a taxa de desocupação dos brasileiros ficou em 14,7%, maior nível da série comparável, iniciada em 2012. 

Apesar da dificuldade de ingresso no mercado de trabalho, demissões voluntárias podem representar uma busca por empregos de melhor qualidade, na análise do professor de economia da UFC Rafael Barros Barbosa. 

Segundo ele, o momento atual do mercado de trabalho é complexo e é difícil prever como será o comportamento dos próximos meses. 

Foco nos estudos 

A estudante Sabrina Nantua Ximenes, de 24 anos, largou o cargo de agente de atendimento no início do ano. Ela trabalhava na área de atendimento ao cliente de um aplicativo, apesar de ser estudante de física. 

“Eu pedi demissão tanto por insatisfação com o trabalho como também porque eu estava me mudando, e aí como eu nem conseguia manter com os horários de estudo, nem com a distância, eu pedi a demissão”, lembra. 

Ela trabalhava na área para composição de renda, mas não tem planos de voltar a atuar com atendimento por conta do estresse do dia a dia. Seus planos incluem terminar a graduação em física e entrar para o mestrado, possivelmente em uma universidade fora do país. 

A jornalista e estudante de mestrado Andressa Gonçalves, de 24 anos, também largou o emprego para dar prioridade aos estudos. Ela atuava em sua área de formação, em uma agência de comunicação, mas tem preferência para o viés acadêmico. 

Não estava conseguindo conciliar meus estudos com as demandas do trabalho, optei por sair temporariamente do mercado para focar na minha educação".
Andressa Gonçalves
jornalista e estudante de mestrado

A jornalista não dispensa a possibilidade de voltar a trabalhar em agências no futuro, mas por hora quer dar continuidade aos estudos e explorar outras possibilidades na área da comunicação. 

Mudanças no mercado de trabalho 

Rafael Barros destaca que a pandemia trouxe mudanças estruturais para o mercado de trabalho e os impactos ainda estão sendo quantificados. Segundo ele, o setor mais afetado foi o de serviços, que também é o que está mais demorando para se recuperar. 

Ele considera que a recuperação do mercado de trabalho no Brasil ocorre em um passo parecido ao de outros países. Contudo, o período eleitoral e a possibilidade de recessão nos Estados Unidos podem prejudicar o crescimento econômico e, consequentemente, os empregos.  

Para ele, a pandemia trouxe mudanças culturais e comportamentais que passaram a pesar para os funcionários na hora de decidir ficar ou não em uma empresa. 

O economista analisa que um motivo para o crescimento nas demissões voluntárias é uma preferência dos funcionários por empresas que ofereçam regime híbrido ou home office, por exemplo, uma possibilidade que não era tão difundida há dois anos.  

Durante a pandemia houve um processo de mudança de empregos muito forte. A pandemia acabou afetando muito mais as pessoas mais pobres, mas as pessoas de maior escolaridade também foram muito afetadas. Elas podem ter pegado trabalhos que não eram os ideais e agora, com a retomada, estão deixando de pegar trabalhos de pior qualidade para pegar outros melhores, mais condizentes com suas especializações".
Rafael Barros
professor de economia da UFC

Segundo ele, há uma tendência para que as pessoas foquem mais nos estudos antes de ingressarem no mercado, ou até que deixem empregos de pior qualidade para investir em especializações. 

"Quando existem recessões, elas fazem com que as pessoas estudem mais. Como o mercado de trabalho está difícil, ao invés de as pessoas forçarem a entrada, se capacitam mais para entrar no mercado de trabalho em um momento propício", diz. 

Busca por condições melhores 

A estudante de mestrado Mariana Cardoso*, de 26 anos, entrou no mercado de trabalho em meio à pandemia, quando se deparou com o desemprego logo após terminar a graduação em biblioteconomia.  

Ela já tinha planos de fazer pós-graduação e se manteve no emprego como recepcionista e agente de serviço de certificado digital por um ano e 7 meses para juntar dinheiro. 

Fiquei me preparando financeiramente e agora no início deste ano eu fiz a seleção do mestrado e fui aprovada. Achei que eu não conseguiria me dedicar aos dois. Como não era um emprego que me daria um crescimento de função, eu achei que para os meus objetivos seria melhor eu me dedicar somente ao mestrado
Mariana Cardoso
bibliotecária e estudante de mestrado

A estudante conseguiu bolsa de mestrado com remuneração semelhante à que conseguia com o emprego. Como havia feito uma reserva financeira, conseguiu segurança para tomar a decisão de sair do emprego em busca de condições melhores. 

“Houve uma insistência para eu continuar, porque segundo minhas chefes elas gostavam de mim, não queriam que eu saísse. Me fizeram uma proposta para eu ficar lá, mas não recebi muita pressão. Tentaram adiar um pouco, mas fiquei firme na minha decisão porque era o que eu queria mesmo”, relata. 

Ela não pretende voltar à área de atuação em que estava. O plano agora é terminar o mestrado e, posteriormente, entrar no doutorado.  

*nome fictício