É no calor do chão de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), que começa a jornada de uma flor cujas cores tropicais atraem os olhares do mercado externo.
Do primeiro contato das Plumérias com a terra até enfim chegar o momento ideal em que os seus galhos serão podados e acondicionados em caixas são aproximadamente três anos, de acordo com o produtor e presidente da Câmara Setorial de Plantas Ornamentais, Gilson Gondim.
Desse mesmo solo, outra planta ornamental, a Cana-índica, também extrai os nutrientes necessários para que posteriormente o seu rizoma - tipo de caule - seja preparado e enviado a outros países. As duas flores estão entre as 20 variedades produzidas por Gilson em sua fazenda de 4,5 hectares - dos quais as plumérias ocupam 3 ha.
Quando chega a hora de partir rumo a outros países, os galhos da pluméria são cortados, tratados e se transformam no que Gilson chama de ponta.
Eles fazem o tratamento e trazem para a packing house, que é um local de empacotamento. Essas pontas são colocadas em bancadas para secarem por uma semana. Depois são encaixotadas”.
Após encaixotadas, as Plumérias, assim como a Cana-índica, começam a viagem. Os produtos são transportados para o Aeroporto de Fortaleza via BR-116, de onde partem para São Paulo e, de lá, vão para Miami, e também saem de Fortaleza para Portugal, de onde escoam pela Europa.
Na quarta reportagem da série "Rotas do Crescimento", o Diário do Nordeste mostra os caminhos das plantas e dos peixes ornamentais até chegar aos mercados consumidores.
Descompasso logístico
Antes da pandemia, os voos eram diretos, mas o descompasso logístico gerado pelo avanço mundial do vírus adicionou a esse transporte algumas conexões e a situação ainda não foi normalizada. Gilson garante, porém, que isso não é um problema. “O tempo de trânsito (que a planta aguenta) é bem bacana, não tem problema algum. A nossa jogada é que aqui, tudo que a gente manda é produto intermediário”, pontua.
Além dos dias a mais que as plantas ornamentais têm até chegar ao destino final, o frete para enviar esses itens também sofreu forte elevação.
Enquanto empresários de outros setores e até usuários de outros modais consideraram a situação uma verdadeira 'pá de cal', Gondim cravou o mantra de que a dificuldade faz a oportunidade: apostar em produtos com valor agregado maior.
“A grande história é produzir itens que tenham um valor agregado que pague a logística, que suporte os custos do frete. A visão é essa”, afirma Gilson.
Hoje, o frete custa em torno de US$ 3/kg, mas antes da pandemia era US$ 1/kg e, no auge da crise sanitária, chegou a US$ 9/kg.
Mesmo assim, os números de 2020 e de 2021 foram positivos para o produtor e para o setor como um todo, graças à onda mundial de cultivar plantas em casa e também à vantagem sobre o maior concorrente das plantas cearenses: a Ásia.
“Se para nós o frete saiu de US$ 1 para US$ 9, lá saiu de US$ 4 para US$ 40. Então ainda assim nós ficamos mais competitivos. E outra: vários locais não conseguiam sequer enviar o produto, então os clientes se sujeitaram a pagar o nosso frete. Mandamos até mais do que a quantidade que a gente enviava normalmente”.
Os transportes ocorrem a cada 15 dias e sai cerca de uma tonelada por mês da produção de Gilson para outros países.
Para este ano, a previsão é exportar US$ 780 mil - em 2021, foram US$ 600 mil. De acordo com Gilson, a estratégia de ampliação do valor agregado é uma importante via para recolocar o Ceará na posição de segundo maior exportador de plantas ornamentais do País.
Peixes ornamentais
“O comprador paga o frete e ganha o peixe de graça”. Pode não parecer tão lógico à primeira vista, mas a reflexão do presidente da Associação dos Criadores e Lojas de Aquário do Ceará (Aclace) e vice-presidente da Associação Brasileira das Lojas de Aquariofilia (Abla), o engenheiro de pesca Ivan Oliveira, ilustra a situação enfrentada pelos produtores de peixes ornamentais.
Com o alto custo para transportar a carga, eles também têm buscado alternativas para viabilizar a atividade. “A gente está pesquisando outras espécies, precisamos descobrir o que o mercado lá fora quer para nós podermos reproduzir aqui. Já temos algumas que estão indo muito bem aqui, o volume (destinado ao mercado) interno ainda é bem maior”, reforça.
Ele pontua que a escassez de voos vem prejudicando o setor desde o início da pandemia. “Ou falta voo ou o frete é muito caro, eles acabam sempre remarcando”, explica Oliveira. “Antes da Covid-19, o frete da nossa carga para São Paulo era R$ 1,70 o quilo. Agora, esse valor passou para R$ 3, R$ 5”, lamenta o presidente da Aclace.
Hoje, 98% da produção de peixes ornamentais do Ceará é comercializada no mercado interno e os outros 2% são exportados. Do total exportado, 70% vai para a Ásia e o restante se divide entre Europa e Estados Unidos.
A falta de competitividade do produto brasileiro, porém, tem levado o principal mercado comprador dos peixes cearenses a buscar o concorrente, no Caribe.
“Temos o problema dos voos, com a guerra na Ucrânia e a volta da Covid-19 na Ásia. Em meio a tudo isso a gente não tem incentivo, não há apoio”, detalha Oliveira, acrescentando que o número de exportadores de peixes ornamentais caiu consideravelmente nos últimos 20 anos, de 14 para apenas 3 atualmente.
Nesse intervalo de 20 anos, o Ceará já chegou a liderar as exportações de peixes ornamentais do País e a movimentar R$ 20 milhões há quatro anos. Diante das dificuldades apontadas, Ivan Oliveira revela que é até difícil fazer projeções para a movimentação do setor para o fechamento de 2022.
De acordo com dados da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Estado do Ceará (Sedet), o envio de peixes ornamentais ao exterior totaliza US$ 159,2 mil de janeiro a junho deste ano, valor que representa uma queda de 34,8% se comparado com o total exportado em igual período de 2021 (US$ 244,3 mil).
O preço do frete aeroviário vai cair?
O professor, mestre e presidente da Associação de Gestores e Executivos em Logística do Ceará (Agel), Célio Fialho, explica que a logística representa 60% dos custos de uma empresa. Dessa fatia, 35% corresponde ao frete, que se trata de um componente sensível a fatores como dólar, guerras, oferta de combustível e questões tributárias.
“Então nós não temos como saber se os preços dos fretes vão cair. O que sabemos é que se trata de um componente atrelado ao dólar, ao preço do barril internacional… e nós sabemos que a guerra na Ucrânia afetou essa oferta”, pontua Fialho.
O perfil do modal aeroviário
De acordo com Célio Fialho, os modais de transportes possuem direcionamentos e, no caso do aéreo, esse direcionamento é, de fato, para cargas mais delicadas, com maior valor agregado.
Mundialmente, o avião é utilizado como meio para uma carga que agrega valor. São produtos mais minuciosos, digamos assim, como peças de computadores, peças automotivas. Laboratórios também utilizam para alguns remédios de valor significativo, quadros, diamantes”
Ele explica que, no Brasil, o modal aéreo também ocupa essa posição, mas lembra que a pandemia acabou bagunçando esse cenário, inclusive com forte impacto sofrido pelo hub aéreo.
“Nosso hub ainda estava começando, ainda não tinha alcançado maturidade, embora globalmente a Fraport - concessionária da Aeroporto de Fortaleza - administre isso muito bem. No entanto, houve esse impacto e, consequentemente, as operadoras frearam a expansão”, diz Fialho.
Perspectivas para a malha aérea
O professor avalia que as empresas têm retornado aos poucos suas operações no transporte de passageiros e de cargas. “É importante destacar que há dois aspectos: transporte de pessoas e de cargas. O volume de cargas sofreu decréscimo, mas não tão grande. Algumas aeronaves chegaram a ser adaptadas para cargas, inclusive”.
“Mas o que temos observado nos últimos seis, sete meses, é que as empresas estão retornando. O setor aéreo de Fortaleza ainda não está totalmente normalizado, mas já começou a retomar”, afirma Célio Fialho.
Procurada sobre a situação da malha aérea em Fortaleza, a Fraport destacou em nota que a decisão em relação às rotas cabe às companhias, mas que está atenta às oportunidades de ampliar os voos.
“Esclarecemos que a decisão de abrir novas rotas é exclusiva das companhias, de acordo com seus estudos de viabilidade. Nossa equipe está sempre atenta às oportunidades para colaborar com o que for necessário para efetivar novas rotas e aumentar frequências. A Fraport Brasil - Fortaleza está sempre atenta às oportunidades para colaborar com o que for necessário para efetivar novas rotas e aumentar frequências”, diz a Fraport.
Transporte por conexão
Hoje, o transporte das plantas ornamentais produzidas por Gilson Gondim ocorre via TAP para a Europa e via Latam para São Paulo e, posteriormente, para os Estados Unidos.
O produto é transportado no compartimento de carga das aeronaves de passageiros. “A maior parte é transportada em voos com conexão (troca de aeronave) no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Adicionalmente, conseguimos dar ainda mais agilidade ao envio depois que reinauguramos, em 25 de julho, o nosso voo direto e semanal de Fortaleza para Miami”, detalha com exclusividade o diretor da Latam Cargo Brasil, Otávio Meneguette. Nessa rota, as plantas vão no compartimento de cargas do Boeing 787-9.
Ele explica que as conexões ocorrem com Vitória (ES), sendo sete voos semanais, e de Guarulhos (SP), com 43 voos semanais. “Dentre os voos para estes dois destinos, aproximadamente 90% possuem disponibilidade para o transporte de cargas nos porões das aeronaves”, revela Meneguette.
“São mais de 170 voos semanais da Latam decolando de Fortaleza, que já respondem por 93% da quantidade de voos que tínhamos na capital cearense em agosto de 2019 (antes da pandemia de Covid-19)”, afirma o diretor da Latam Cargo Brasil.
Nesta quinta-feira (4), a série "Rotas do Crescimento" retrata a carência de transporte ferroviário no Ceará e os desafios das empresas que apostam neste modal.