A produção de mel de abelha no Ceará tem uma participação importante na economia local. Os apicultores cearenses projetam uma oferta ainda maior no produto, cuja safra foi prejudicada pelos altos volumes de chuvas no Estado no último ano. Outro ponto destacado são as enchentes no Rio Grande do Sul, que devem valorizar o preço do alimento em pelo menos 30%.
As projeções foram feitas por Joventino Neto, presidente da Federação Cearense de Apicultores (Fecap), durante a PEC Nordeste 2024, maior feira agropecuária indoor do Brasil, realizada entre os dias 6 e 8 de junho no Centro de Eventos do Ceará.
Segundo o mandatário da entidade, as últimas duas quadras chuvosas no Estado tiveram índices acima do ideal para a apicultura, prejudicando a colheita do mel. Como forma de compensar o desequilíbrio, 2024 deve contar com uma 'supersafra': será colhido o excedente da produção de 2023, que será contabilizado com a fabricação deste ano, com expectativa de dobrar a geração em relação ao ano anterior.
"A produção do mel no ano passado no Ceará foi estimada em 5 mil toneladas. Em 2024, devemos ter 8 a 10 mil toneladas. Esse ano está bem atípico. A gente vai tirar o mel mais atrasado e teremos uma supersafra de mel. É o que está sendo esperado. Nessa época, nos meus apiários eu era para estar batendo já a terceira vez (colheita) e não bati nem um esse ano.", explica Joventino Neto.
Diferente do esperado, de perspectiva de queda no preço do mel pela supersafra, o presidente da Fecap acredita que o produto pode valorizar "entre 20% e 30%" em 2024. Isso acontece em virtude das enchentes no Rio Grande do Sul, principal produtor nacional do alimento, que teve colheitas prejudicadas.
Isso vai mexer no valor do mel, mas não da produção. Acredito que vai valorizar de 20 a 30% do valor do mel, mas a produção vai ser mais atrasada devido ao excesso de chuva que também está tendo no Ceará.
Tamanho do mel no Ceará
Ao contrário do camarão, do caju e da carnaúba, no qual o Ceará é líder nacional em produção, o Estado fica somente na 8ª posição no País quando o assunto é fabricação de mel de abelha.
De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, o Rio Grande do Sul é o maior produtor nacional de mel de abelha. Naquele ano, a safra do estado foi de 9.014 toneladas, o que corresponde a 14,8% da produção brasileira.
No Nordeste, a liderança é do Piauí, que produziu naquele ano 8.321 toneladas, seguido da Bahia, com 4.911 toneladas. O Ceará figura na terceira posição dentre os principais produtores de mel de abelha na região.
Ainda segundo Joventino Neto, a produção cearense poderia ser ainda maior caso houvesse a isenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O presidente da Fecap afirma que o Ceará é o único estado do Brasil onde há a cobrança de alíquota cheia (20%) para a cadeia produtiva do mel de abelha.
"Todo o mel que é daqui e é comprado pelos outros estados, que são isentos. O Ceará é o único estado da Federação Brasileira que não é isento, então os outros estados compram o mel daqui sem tirar nota fiscal, embalam e vendem barato no Ceará. O mel cearense ganha prêmio em Santa Catarina, como o melhor mel do Brasil, já ganhou prêmio mundial com o nome do outro estado", diz.
Existem tratativas com parlamentares federais e estaduais para mudar a situação da tributação do mel no Ceará, conforme Joventino Neto. Para ele, também é necessário dar maior atenção econômica para a produção do alimento, que tem maior valor agregado do que outros produtos agropecuários de destaque no Estado.
Posso dizer que o mel traz mais divisas para o Ceará do que o leite. Vamos dar um exemplo, o leite, hoje vendido aí na base de R$ 2 estourando. O quilo do mel, o mais barato é R$ 9. A gente gera mais empregos, agride menos a natureza, porque é a única atividade do mundo que não agride a natureza é a apicultura, traz mais renda para o estado e não é reconhecido.
A reportagem procurou a Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará (Sefaz) para elucidar a questão da alíquota do ICMS. A pasta afirma que "não há cobrança de ICMS sobre o mel de abelha em estado natural, do produtor para a indústria". Ainda de acordo com a Sefaz, o mel de abelha, em estado natural, é tributado em 7% "após a aquisição pela indústria".
Agricultura familiar em destaque
Durante a PEC Nordeste, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Amílcar Silveira, endossou a fala de Joventino Neto. Em entrevista ao Diário do Nordeste, o gestor da entidade apontou que boa parte da produção do mel cearense vai para o Piauí — maior produtor da região — e é exportado como se tivesse fabricado no estado vizinho.
"Mandamos o mel para o Piauí, que exporta e a gente não entra nessa onda de mel. Mas hoje somos um dos maiores produtores do Brasil", resume Amílcar.
Ainda de acordo com o presidente da Faec, a federação atende atualmente 7 mil apicultores do Ceará e tem a expectativa de chegar a atender 12 mil. Dados revelados por Amílcar apontam que 95% da produção de mel de abelha do Ceará vem de micro e pequenos produtores.
Uma dessas é Danielle Moura. Ao lado do marido, ela é sócia da Campos Mel, em Jucás, na região Centro-Sul do Estado, que produz mensalmente cerca de 40 toneladas de mel de abelha e derivados, chegando próximo das 500 toneladas por ano.
"É uma renda muito boa. A gente está conseguindo agregar muito valor no nosso município, porque era uma coisa que não tinha. Mel, na verdade, eles só viam para quando você estivesse doente, para fazer melado, para saúde, mas a gente está começando a ensinar que o mel é também para alimentação", expõe a produtora.
Com uma produção ainda pequena em Jucás, Danielle explica que a comercialização do mel e subprodutos, como favo e própolis, é feita por enquanto só no próprio município, mas a meta é expandir para demais cidades da região.
Outro produtor é André Gomes, que faz parte da Associação dos Apicultores de Cratéus (Apicrat). A cooperativa tem uma produção de 30 toneladas anuais, e comercializa, além do mel de abelha, extrato de própolis, favo, hidromel e pólen.
Os 35 produtores da Apicrat trabalham ainda com a diversidade das floradas, determinantes para os diferentes tipos do produto. André Gomes explica que o primeiro mel colhido no ano é mais claro e doce, e vai escurecendo conforme outras plantas vão nascendo ao longo do ano.
"A diversidade de floradas que a gente tem acaba dando uma qualidade tanto em cor, em sabor ao mel, diferenciado das outras regiões. Na nossa região em si, a forma que a gente trabalha, temos a ausência dos agrotóxicos, isso também dá uma qualidade diferenciada", destaca.
Para o apicultor de Crateús, o consumo de mel vem melhorando nos últimos anos, mas ainda representa um desafio no mercado cearense. Por diversas razões, o produto ainda é muito associado com tratamentos de saúde, mas a gama de utilização do alimento vai além da importância medicamentosa.
"A gente trabalha a conscientização do consumo do mel e tem aumentado também esse consumo interno, que é uma dificuldade grande que a gente tem. As pessoas precisam entender a importância do mel, que ele não é só um medicamento, é um alimento, ele substitui o açúcar e é um alimento que além de nutritivo é saudável", arremata.