Quem anda pelas cidades da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), sobretudo Eusébio e Aquiraz, pode perceber que os empreendimentos imobiliários de alto padrão se consolidaram nos últimos anos. Grandes condomínios de casas e loteamentos de terrenos amplos se tornaram cada vez mais comuns. Especialistas apontam que o movimento de adquirir imóveis em regiões próximas da Capital para moradia fixa ou nos fins de semana é motivado por uma busca de qualidade de vida.
No ano passado, o número de lançamentos de empreendimentos imobiliários em cidades da RMF cresceu 22%, na comparação com 2022. Já na Capital houve queda de 18% nos novos empreendimentos, segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE).
As empresas construtoras têm se aproveitado da grande oferta de terrenos nas cidades próximas da Capital, com preços menores e grande extensão. Essa é a avaliação de Emanuel Capistrano, presidente da Cooperativa da Construção Civil do Estado do Ceará (Coopercon-CE).
Com a queda da taxa Selic, taxa básica de juros do Brasil, e expectativa de redução da inflação, a projeção da cooperativa é que o número de empreendimentos construídos na RMF também aumente em 2024. Embasam esse movimento o incentivo à moradia popular pelo governo, com o 'Minha Casa, Minha Vida', e a alta demanda por propriedades de luxo.
“Tem subido muito o padrão das unidades nessa região do Eusébio, sem dúvida nenhuma. É uma área que tem um comércio muito ativo, um acesso muito bom para Fortaleza. São imóveis de valores mais significativos, com mais de R$ 1 milhão”, explica Capistrano.
Entre as cidades mais próximas de Fortaleza, as com o metro quadrado (m²) mais caro para loteamentos fechados são Aquiraz (R$ 702,11) e Eusébio (R$ 1.466,33). Já para condomínios de casas e sobrados, Aquiraz toma a liderança com média de R$ 8.359,48 por m². Em seguida, estão Caucaia (R$ 5.629,41) e Eusébio (R$ 5.038,97).
Cerca de 40% dos empreendimentos inaugurados em Aquiraz e Eusébio em 2023 são de padrão médio a luxuoso. Em Fortaleza, 37,63% das unidades lançadas no último ano são desse nível de preço, segundo dados do Sinduscon.
Enquanto a Capital viu o número de empreendimentos aumentar apenas no padrão econômico (até R$ 350 mil, as outras cidades da Região Metropolitana de Fortaleza apresentaram crescimento de empreendimentos de todos os padrões.
Veja como o mercado imobiliário se comportou em Fortaleza e na RMF em 2023
IMÓVEIS DE LUXO
Com a escassez de terrenos para empreendimentos horizontais na Capital, as cidades próximas se tornam atrativas pela possibilidade de construção de casas amplas, com áreas externas. Eduardo Pereira, CEO da Prosper Urbanismo, incorporadora com diversos projetos na RMF, explica que o principal interesse dos moradores da área é retomar um estilo de vida menos acelerado.
Nesse sentido, imóveis integrados com a natureza, com grande área de lazer e até mesmo geração de energia por fonte solar são os mais procurados. “Os imóveis mais procurados tem cozinhas integradas, espaços gourmet, suítes com bons closets, um banheiro principal com dois sanitários, duas cubas, dois chuveiros”, aponta.
As construtoras apostam na oferta de moradias agradáveis com extensas áreas de lazer e viabilidade para a prática de esportes, como beach tênis e ciclismo. Mesmo com objetivo de construir um ritmo diferente de Fortaleza, esses condomínios também são instalados em locais com fácil acesso à capital.
Com o crescente desenvolvimento desses polos imobiliários, a projeção é que os trajetos para Fortaleza sejam ainda mais facilitados. “A tendência é ter um encurtamento da distância. E com o home office, muitos profissionais não têm a necessidade de plena e constante presença física nas empresas, nos escritórios”, aponta.
O Sinduscon-CE destaca Aquiraz e Eusébio como grandes polos concentradores de imóveis de luxo, devido à infraestrutura qualificada e atrativos turísticos e ambientais. Com a exclusividade associada aos empreendimentos de alto padrão, essas cidades podem ser mais valorizadas que algumas regiões de Fortaleza, segundo o presidente do sindicato, Patriolino Dias de Sousa.
A expectativa é que o ritmo de crescimento das cidades se mantenha nos próximos anos, devido à alta demanda por moradia. “O movimento de descentralização do desenvolvimento imobiliário pode persistir, principalmente devido à busca por terrenos mais baratos na RMF. Isso não significa um declínio em Fortaleza, mas sim uma diversificação de opções para atender às diferentes demandas do mercado”, destaca Patriolino.
A chegada de condomínios de casas de alto padrão aumenta a demanda nas cidades por serviços no mesmo nível. A corretora de luxo Isabele Viana destaca que pequenos centros comerciais são criados ao redor desses empreendimentos.
“Tem cliente que poderia morar em qualquer área de Fortaleza, mas decidiu morar em outra cidade. Na saída do condomínio, ele já tem um restaurante muito bom, supermercados, academias, lanchonetes”, explica. Isabele reitera que os moradores utilizam com frequência as áreas comuns, promovendo eventos de confraternização com frequência.
'ILHAS DE RIQUEZA'
Com grande disponibilidade de território, os proprietários têm mais liberdade para construir imóveis que na Capital, onde os novos empreendimentos de luxo se concentram praticamente em condomínios verticais. Sem limite, as casas de alto padrão podem chegar a custar até R$ 20 milhões, segundo Paulo Angelim, corretor de imóveis e colunista do Diário do Nordeste.
Um dos condomínios de casas mais tradicionais do Eusébio, por exemplo, tem imóveis a partir de R$ 3 milhões. Um duplex à venda no local é anunciado por R$ 14 milhões. O imóvel de 300 m² tem quatro quartos, seis banheiros e piscina ampla.
“Geralmente são casas construídas pelos próprios moradores. Quando vem para a revenda, podem chegar a preços de mais de R$ 20 milhões, como é o caso do Alphaville”, comenta Angelim. O corretor reitera que há valorização de moradias com maior qualidade de vida, com acesso ao ar livre, mais opções de lazer e segurança.
A especialista em geografia urbana e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Maria Clélia Lustosa Costa, reitera que a pandemia de Covid-19 ampliou o desejo das classes média e alta de viver em condomínios fechados, envoltos no discurso de volta à natureza e garantia de segurança privada.
A pesquisadora aponta que, na década de 1970, o movimento de fuga da Capital era embasado na construção de grandes conjuntos habitacionais nos limites de Fortaleza, como Maracanaú e Caucaia. Já outros municípios se transformaram em espaços de veraneio e lazer.
“Os polos metropolitanos passaram por um rearranjo social e econômico que impactaram a paisagem. Antes, no centro, ficavam as elites e os poderes econômico e social. Com o avanço dos transportes, melhora do sistema viário, formam-se os bairros de elite e classe média. Fortaleza transbordou para os municípios vizinhos”, afirma.
Esse fenômeno vem acompanhado do aumento da desigualdade social nessas cidades da região metropolitana. A especialista cita como exemplo a estrutura do Eusébio, que conta com escolas de alto padrão e dois shopping centers. O setor imobiliário pressiona o governo para ampliar a estrutura viária próxima aos conjuntos residenciais de padrão maior, enquanto outras regiões das cidades não recebem a mesma atenção.
“A consequência desse novo arranjo da Região Metropolitana, com a construção de equipamentos de grandes dimensões, condomínios, loteamentos fechados, shoppings, articulados pelo sistema viário, é a fragmentação social e espacial, com a formação de um arquipélago com ilhas de riqueza, os condomínios de luxo, cercada por favelas”, atesta a pesquisadora.