Não restam dúvidas de que a mulher ser sexo frágil é tão retrógrado quanto acreditar que a Terra fica no centro do universo. Ao longo dos anos e com as lutas pelos direitos femininos, as mulheres conquistaram espaços no mercado de trabalho, ocupando também posições antes só mesmo exercidas pelos homens.
É caso, por exemplo, da jovem Rachel Mourato. Aos 33 anos, ela trabalha, orgulhosamente, operando uma empilhadeira em um centro de distribuição (CD) da Votorantim Cimentos, localizado em Juazeiro do Norte e composto por uma equipe totalmente feminina. O espaço foi inaugurado em agosto do ano passado.
A profissional relata que o ramo de motoristas sempre fez parte da vida dela, já que na família há vários caminhoneiros. Quando ainda não atuava como operadora, Rachel fez bicos como condutora para implementar a renda.
Antes de conquistar a posição que ocupa atualmente, ela conta ter sido desacreditada pelo antigo chefe da empresa onde trabalhava como fiscal de prevenção de perdas. Após fazer o curso, tentou uma oportunidade para a função de operadora, mas ele a negou.
“A gente ainda sofre muito com o machismo, especialmente no mercado de trabalho. Os homens normalmente não acreditam que você tem capacidade de operar uma empilhadeira, uma retroescavadeira, um trator, um caminhão e nós temos que desmistificar isso”.
‘Minhas filhas são minha motivação’
Chegar até aqui não foi fácil para Rachel, pois teve que aprender a ser adulta ainda aos 17 anos, quando engravidou da primeira filha. “Quando ela nasceu, todo mundo disse que minha vida ia acabar. Realmente, acabou, mas foi a minha vida vazia, porque a partir disso eu me tornei uma pessoa que batalhou mais, que trabalha mais, que estuda mais”.
Apesar disso, Rachel não deixou de batalhar pelos sonhos e teve que abdicar de morar com as filhas por um período para fazer os cursos de operação das máquinas. “Eu não tinha dinheiro então foi o jeito. Elas sempre diziam: mãe, está tudo bem, corre atrás que a gente vai se segurando”.
“Foi assim a minha maior força, porque elas acreditaram em mim demais, apostaram mesmo. Elas vibram muito com os meus feitos e minhas conquistas e elas são a minha motivação de todo dia. Elas me inspiram a querer o melhor”, ressalta.
Hoje, o desejo da profissional é de alçar voos ainda maiores. “Não quero ser só operadora de empilhadeira, eu quero ser 'A' operadora. Quero motivar as pessoas com minha história, fazer com que elas saibam que também são capazes”.
Supervisionando mulheres
No comando do CD, a supervisora Raquel Andrade, de 28 anos, relata que o primeiro contato com a Logística foi na faculdade, o que despertou nela a vontade de atuar nesse setor. A engenheira de produção está na Votorantim desde 2015 e passou por diversas áreas, como suprimentos e comercial, até chegar na gestão do CD.
Para ela, a maior inspiração que tem é a mãe. “Minha mãe é a melhor pessoa que eu conheço, é muito empática, escuta muito bem os outros e tem uma vontade genuína de ajudar. Ela é de um total desprendimento, ela me inspira a ser como ela e a buscar ser sempre melhor".
A oportunidade de desenvolver outras mulheres, segundo Raquel, tem sido fundamental para que ela cresça ainda mais em termos de autoconhecimento. Por isso, ela diz que busca inspirar as profissionais com quem trabalha, ser uma líder melhor e uma pessoa melhor.
"Minha mãe fala que eu sou muito corajosa, porque sou do interior da Bahia, fui morar em Teresina e agora no Ceará, e é como falo pra ela: é de casa pro mundo. Pra gente crescer, nem sempre consegue crescer no lugar que iniciou, é preciso correr, preciso ir atrás. É isso que quero mostrar”.
Como é trabalhar somente com mulheres?
Para a supervisora, a oportunidade de trabalhar apenas com mulheres tem sido de muito aprendizado. “Elas executam o trabalho com perfeição, descarregam as máquinas com perfeição, a gente consegue provar que conseguimos ir além. Não tem essa de não ser capaz de desempenhar alguma atividade”.
“Quando eu paro para comparar, diferente do que dizem que mulher não é unida, a equipe é muito junta, preocupada umas com as outras, há um espírito de colaboração, não tinha vivido isso ainda com equipes com homens. Temos um cuidado maior com as coisas”, acrescenta Andrade.
Já para Rachel Mourato, chegar ao CD foi como sentir-se ‘em casa’. Pela primeira vez integrando uma equipe 100% feminina, ela relata ter sentido diferença, principalmente, no trato com o trabalho e com as pessoas.
“Quando eu cheguei no CD, que vi que tinha outra operadora de empilhadeira eu fiquei me sentindo em casa, ninguém tá me julgando, sendo preconceituoso, me sinto livre. Essa liberdade é o melhor, a competência das meninas é fato. Você se sente confortável para fazer seu trabalho”.
A profissional conta que, durante o curso para se tornar operadora, a turma era composta por 20 alunos, sendo 19 homens. Logo no início, um dos colegas foi avisá-la que o café da empresa havia acabado. O que ele não esperava era que ela estava lá com o mesmo objetivo que ele.
"Eu falei que não trabalhava lá, que estava fazendo curso. Ele questionou e disse: mas aqui só tem curso de retroescavadeira e operador de empilhadeira, aí eu disse: é, o de retroescavadeira eu fiz semana passada, essa estou fazendo o de empilhadeira. Eles ficaram então sempre me observando, procurando defeito quando eu mexia na máquina”, relata.
Aposta em mulheres
A gerente geral de Gente, Bruna Perpétuo, explica que este é o primeiro CD operado inteiramente por mulheres da VC. Com capacidade de distribuir 20 mil toneladas de produtos por mês, a estratégia da empresa foi criar uma inovação na área da Logística conforme a política e valores da empresa de perseguir uma maior igualdade de gênero.
Antes da implantação do CD em Juazeiro, a empresa realizou uma campanha de comunicação entre os caminhoneiros para promover maior segurança para elas.
“Seria interessante até pra gente poder entender as diferenças do gênero mesmo, se há algum impacto específico se fizermos essa mudança. Não por questões de competência, mas para entender melhor as diferenças nos modos de trabalhar de homens e mulheres. Hoje, percebemos, por exemplo, que elas têm um cuidado maior, evitam mais acidentes”.
De acordo com Bruna, acreditar na performance feminina é empoderar e proporcionar melhores ambientes de trabalho para essas mulheres, de modo, inclusive, a aumentar a produtividade e a eficiência. “Fizemos recentemente promoção de duas mulheres que estão em licença maternidade, por exemplo, queremos valorizar nossas profissionais”.
“Tem uma importância de inclusão e de mudança cultural do País. Nós queremos gerar segurança para elas, queremos abrir oportunidades. Nossa indústria, pelo produto, é mais masculina, então quando abrimos mais oportunidades para mulheres, você começa a transformar o ambiente. Nosso índice de turnover feminino caiu muito nos últimos anos”, acrescenta a gerente geral.