As condições atuais do setor elétrico com os baixíssimos níveis de reservatórios no Sudeste/Centro-Oeste do País acendem um alerta para uma situação já vivenciada em um passado não tão distante: o apagão. Existe, afinal, o risco de adoção de medidas mais drásticas em decorrência da crise energética?
Em 2001, a escassez hídrica levou o governo federal a adotar o desligamento programado de energia com o objetivo de evitar um colapso no sistema elétrico e vários setores foram duramente afetados, com a proibição de alguns eventos e com uma corrida das empresas por aparelhos que tornassem o consumo mais eficiente. Aquele período ficou conhecido como a crise do apagão.
O peso da crise hídrica
Hoje, considerando que o País vivencia sua maior crise hídrica em 91 anos, especialistas temem que uma piora da situação eleve o risco.
De acordo com o coordenador de energia da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) e diretor técnico da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Joaquim Rolim, a situação está condicionada ao que vai acontecer até novembro, mês em que os reservatórios devem começar a receber alguma recarga das chuvas.
“As condições acompanhadas pelo Ministério de Minas e Energia e o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico mostram uma piora nos riscos por conta dessa crise hídrica, então a situação está condicionada ao que vai acontecer daqui até novembro, que é quando os reservatórios começam a ter um aporte”, explica.
De acordo com dados de agosto do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste está em 21,5%. No Sul, o percentual é de 28%. Já a região Nordeste conta com 50% em seus reservatórios.
Consumo de energia
Joaquim Rolim pontua que, além dos aportes nos reservatórios, outras variáveis como o consumo de energia e a geração maior, bem como as medidas tomadas pelo governo federal são importantes para agravar ou atenuar os riscos de um apagão elétrico.
O consumidor possui um papel central nisso. Ele pode contribuir voluntariamente, dentro do possível, para reduzir o consumo, principalmente nos horários de pico, que são à tarde e à noite
Bandeira tarifária
A crise energética que o País atravessa ganhou na última terça-feira (31) novos capítulos, após ser anunciado um novo reajuste de 50% na bandeira tarifária vermelha patamar 2, que está em vigor atualmente.
Em um pronunciamento de rádio e TV, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também pediu que os consumidores residenciais, industriais e o comércio economizem energia e água devido à crise hídrica.
O que é racionamento?
Diferentemente do apelo aos consumidores para que reduzam o consumo e evitem o apagão elétrico, o racionamento se trata de uma redução compulsória, o que na avaliação de Joaquim Rolim é uma medida que penaliza a economia como um todo.
“Quando há a adoção de um racionamento, quem faz o bom uso da energia é penalizado. Quem tem o consumo elevado e precisa reduzir 20%, por exemplo, talvez nem sinta falta, mas o consumidor que faz o bom uso e às vezes precisa daquela energia porque tem uma necessidade acaba compelido, então a redução penaliza a economia como um todo. Determinações lineares penalizam esses bons consumidores”, reforça.
O governo federal evita a adoção do racionamento de energia porque a medida é considerada impopular e possui “peso político muito forte”, conforme avaliou o presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece) e consultor de energia da Fiec, Jurandir Picanço, em matéria publicada pelo Diário do Nordeste na última semana.
"Se não houvesse esse reflexo político forte, seria bem salutar iniciar um racionamento pequeno, todos reduzindo 5% do consumo. Se precisássemos de mais, já teríamos todo o esquema montado", disse.
De fato, o governo federal afasta a ideia do racionamento de energia, já que assessores do Palácio do Planalto avaliam que a adoção da medida prejudicaria ainda mais Bolsonaro em sua pré-campanha pela reeleição.
Geração distribuída
O diretor técnico da ABGD pontua que a associação se reuniu com o Ministério de Minas e Energia e apresentou um conjunto de propostas para que a geração distribuída (95% solar) possa contribuir com a minimização desses riscos.
A primeira delas, de acordo com Joaquim Rolim, é a aprovação do Projeto de Lei 5.859/19, conhecido como Marco Legal da Geração Distribuída, aprovada na Câmara dos Deputados e que segue agora para o Senado, que deve contribuir para o avanço do setor.
“Outra medida é incentivar na bandeira, da seguinte forma: quem instalasse energia fotovoltaica teria um incentivo monetário, com uma contribuição no próprio processo de instalação. Além disso, propomos a instalação de energia solar flutuante nos lagos das hidrelétricas, evitando a evaporação e produzindo energia”, explica Joaquim Rolim.
O material entregue ao ministério também trata de incentivo ao consumidor que já tem um subsídio como a baixa renda, por exemplo, para que ele produza a própria energia. “Também apontamos o aproveitamento dos resíduos sólidos na geração de energia”, diz Rolim.
Ampliação da capacidade instalada
O conjunto de proposições, denominado GD+10, foram apresentadas este mês. “As medidas foram bem recebidas pelo Ministério e ficaram de avaliar”, acrescenta o diretor técnico da ABGD. Hoje, a geração distribuída no Brasil conta com 6,7 GW em capacidade instalada. Com a aprovação do PL, a ideia é que o País chegue a 15 GW até 2023, de acordo com projeções feitas pelo próprio ministério à ABGD.
“A implementação de 10 GW corresponde a 15% da energia armazenada no lago das hidrelétricas”, arremata Joaquim Rolim.