As mudanças propostas na primeira fase da reforma administrativa apresentada ontem (3) ao Congresso não devem gerar redução de gastos com pessoal para os cofres públicos. O impacto deve vir apenas nas fases dois e três, segundo previsão do Governo, ainda não encaminhadas ao Congresso. A postergação da economia com a reforma, no entanto, pode permitir que o déficit e a dívida públicos continuem crescendo, abrindo possibilidade para o surgimento de efeitos negativos.
A avaliação é do conselheiro do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), Ricardo Eleutério. Ele lembra que a continuidade do desequilíbrio fiscal pode elevar a inflação, os juros e ainda causar uma reação negativa do mercado. "Vai ser preciso emitir dinheiro, o que eleva a inflação. O Governo também vai precisar emitir títulos públicos para financiar a dívida, pagando juros mais altos. Além da própria reação dos investidores nacionais e internacionais", explica.
Ele ressalta que a reforma administrativa é um dos caminhos para o reequilíbrio das contas. "É uma peça para diminuir o déficit público, que já vinha crescendo antes da pandemia, assim como a dívida pública, e nós precisamos buscar retomar uma trajetória de equilíbrio fiscal. À médio e longo prazo, déficit e dívida em crescimento hoje é prenúncio de pagarmos mais impostos no amanhã", alerta.
Receita
Eleutério ainda destaca que o déficit também deve ser combatido pelo lado da receita, proposta da reforma tributária. "É um trabalho pelos dois lados. Via de regra, o ajuste se dá muito mais pelo lado da receita, criando impostos ou aumentando alíquotas. Porque política fiscal passa por dentro do Congresso. É politicamente mais difícil reduzir despesas. As forças da sociedade, que estão imbricadas no Congresso, começam a atuar quando é proposto corte de salários de militares, de parlamentares, o que dificulta esse ajuste pela despesa", detalha.
Apesar da urgência da pauta, ele alerta que, caso o reequilíbrio via reformas se dê de forma muito abrupta, pode haver um retardo no crescimento econômico. "Esse ajuste tipifica uma política fiscal contracionista, derrubando ou dificultando o crescimento. A gente está com conjunto enorme de problemas, e um deles é crescimento", aponta o conselheiro do Corecon.
Novos servidores
Por outro lado, o diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário de França, avalia que a economia tardia com a proposta é algo esperado, tendo em vista que as mudanças se aplicarão apenas aos novos servidores.
"O ideal é que já tivesse alguma economia na primeira etapa. Mas entendo que seja natural esse processo de economia vir em fatos seguintes. Vai acontecer (a redução dos gastos) durante o processo, com uma melhor estrutura das carreiras, salários mais adequados e compatíveis com o que o setor privado remunera pra setores semelhantes".
Medidas
A primeira etapa, que traz linhas gerais, é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a modernização da estrutura do serviço público, criando, por exemplo, novos regimes de contratações e mudanças organizacionais da administração pública.
O segundo e terceiro passos incluem mudanças na remuneração inicial de servidores, o tempo de permanência do servidor em cada carreira e as diretrizes para recomposição da força de trabalho. Esses temas, sensíveis no Congresso, são necessários para calcular qual a estimativa de efeito da reforma nas contas públicas.
De acordo com o secretário especial adjunto de Desburocratização do Ministério da Economia, Gleisson Rubin, a Constituição ficaria muito engessada se o Governo incluísse todos os detalhes da PEC na reforma. Por isso, pontos específicos, como lista de cargos e salários, irão como projetos de lei.
Os projetos referentes às próximas etapas só devem ser encaminhados aos parlamentares após o governo avaliar que a PEC (primeira etapa) tenha avançado no Congresso. Técnicos do governo acreditam que a aprovação da reforma, em sua integralidade, demandará debates até 2022.