Infrações por manter animais silvestres em cativeiro crescem quase 4 vezes na pandemia, no Ceará

Segundo Batalhão de Policiamento Ambiental, muitos espécimes destinados à comercialização são mantidos em condições degradantes.

Exóticos, bonitos, de características únicas: animais silvestres podem chamar atenção por diversos motivos, mas nenhum deles justifica sua extração da natureza. Porém, no Ceará, a caça e a manutenção em cativeiro desses espécimes ainda é um problema, e ele ainda foi agravado pela pandemia.

Mesmo sendo proibido, “ter em cativeiro ou depósito espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão” foi justificativa para a emissão de 216 autos de infração pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) em todo o Estado, em 2020.

O número é quase quatro vezes maior do que os 60 autos do tipo lavrados em 2019. Percentualmente, o crescimento foi de 260%. Outra infração que cresceu no ano passado foi a construção sem licença ou autorização dos órgãos ambientais.

De acordo com o Relatório de Desempenho de Gestão 2020 da Semace, de janeiro a dezembro do ano passado, foram registradas 396 ocorrências de crimes ambientais praticados contra a fauna, das quais 269 foram originadas a partir de um procedimento policial que resultaram em termo circunstanciado de ocorrência (TCO), e 127 registradas diretamente pelos canais de atendimento da Semace. 

Do total de registros, 293 foram atendidas, sendo 247 a partir dos informes policiais. Segundo a Superintendência, o TCO já é um procedimento oriundo de uma denúncia, logo a Semace “apenas aplica a multa administrativa e busca um local adequado para o depósito dos animais”.

Conforme o Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA), da Polícia Militar do Ceará (PMCE), as espécies mais comuns de animais silvestres observadas nas ocorrências, que são mantidas em cativeiros, são:

  • cobras, presas para comercialização;
  • aves, sendo mais comuns as corujas;
  • cervos, presos em condições degradantes;
  • macacos-pregos

Em 2020, as forças policiais registraram diversos casos. Em setembro do ano passado, uma composição do BPMA resgatou dez pássaros silvestres que eram mantidos ilegalmente em cativeiro no bairro Barroso, em Fortaleza.

Já em novembro, o BPMA também encontrou aves silvestres das espécies golinha, papacapim e azulão em Catunda, município do Sertão de Crateús. Em 2021, eles continuam. No dia 15 de maio passado, o BPMA apreendeu 13 pássaros silvestres, já abatidos, e um vasto material de caça durante fiscalização no bairro Carcará, em Sobral.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), há três principais consequências da retirada desses animais de seu habitat natural:

  1. Risco sanitário: animais ilegais vendidos sem nenhum tipo de controle sanitário podem transmitir doenças graves, inclusive desconhecidas, para pessoas e criações;
  2. Econômica/social: o tráfico de animais movimenta recursos financeiros sem que impostos sejam recolhidos aos cofres públicos;
  3. Ecológicas: a captura sem critérios acelera o processo de extinção das espécies, causando danos às interações ecológicas e a perda de herança genética.

Combate ao crime prejudicado

Para Márcio Sousa, presidente da Sociedade Protetora Ambiental no Ceará (SPA-CE), a pandemia levou criadores e traficantes a negociarem mais os espécimes. Contudo, também aponta que ainda há omissão do poder público em fiscalizar corretamente os casos.

O crime ambiental, o tráfico de animais, ocorre livremente em feiras clandestinas, não só em Fortaleza. Quem criava pássaro como hobby aproveitou esse momento pra tirar o próprio sustento, apesar de a gente não concordar com esse comércio criminoso”
Márcio Sousa
Presidente da SPA

Além dos prejuízos já apontados pelo Ibama, ele lembra também que os animais capturados, depois de se acostumarem ao cativeiro, não conseguem mais retornar à natureza, comprometendo a própria saúde e desenvolvimento normal.

Além dos pássaros presos para criação doméstica, ocorre a captura de tatus e capivaras possivelmente para alimentação e de cágados para presentear como animais de estimação. “Hoje, todo mundo sabe que é isso crime”, reforça.

Márcio também considera que, além da falta de fiscalização, crimes desse tipo persistem porque a pena ainda é “muito branda”. “A detenção é de seis meses a um ano e multa (Art. 29 da lei 9.605/98). Para quem maltrata, com a nova lei (14.064/2020), vai de dois a cinco anos. Houve a mudança de uma lei, em vez de terem alterado as duas”, diz.

Outro problema que agrava a situação, segundo ele, foi o fechamento do Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetas) do Ceará, em 2019. Era para lá que eram encaminhados animais apreendidos, resgatados e vítimas de tráfico.

Maus tratos e abandono

O presidente da SPA ainda observa com preocupação, além da captura de animais, os maus-tratos e o abandono verificados diariamente nas ruas da Capital cearense.

E um problema leva a outro: abandonados seja por dificuldades financeiras causadas pela pandemia ou arrependimento dos tutores, muitos cães e gatos se tornam vítimas de atropelamentos, envenenamentos e maus-tratos na rua.

Nos primeiros quatro meses de 2021, a PMCE registrou 283 ocorrências de crime de maus-tratos contra animais. Em 2019, foram 450, número que duplicou para 947 em 2020. Para o BPMA, o volume é uma resposta positiva da sociedade “cada vez mais engajada em denunciar tais práticas”.

A população pode fazer denúncias através do número 190 ou pelo telefone (85) 3101-3545.