Para os estudantes que estão encerrando o 3º ano do Ensino Médio, a realização do vestibular muitas vezes representa o fim de um ciclo e o início de uma nova etapa da vida, com a entrada na universidade. No entanto, na última edição do Enem 2020 (Exame Nacional do Ensino Médio), o Ceará chegou a apresentar cerca de 155 mil abstenções no primeiro dia de prova, realizada no último domingo (17). O número equivale a quase 48% do total de 325.706 inscritos. Dentre os principais motivos da desistência, candidatos compartilham sentimento de despreparo e medo de contaminação da Covid-19 durante a realização da prova.
No caso da então estudante do Colégio Estadual Dr. César Cals, Yanna Mara, 20, a desistência da prova se deu por um gesto de amor. Vivendo com a avó de 98 anos e a mãe, de 63, explica que temia contrair o novo coronavírus durante a prova e, ainda que sem querer, levar para dentro de casa. "Queria fazer o vestibular só com o Enem na cabeça e não pensando no caso de pegar a doença e causar uma tragédia na minha família", aponta a jovem que, desde março do ano passado, segue rigidamente o isolamento social.
"Quando me deparei com os altos índices de caso da Covid-19, eu fiquei ainda mais relutante de fazer essa prova. Acho que minha prioridade agora é cuidar de minha mãe e minha avó. Eu posso colocar meus planos em segundo lugar", afirma.
Apesar da tristeza que sentiu por não ter realizado a prova juntamente com seus colegas de turma, Yanna diz que "com certeza" irá tentar fazer o vestibular na próxima edição a ser realizada.
"Eu acho que o MEC ter mantido a data do Enem foi muito insensível da parte dele, foi uma desumanidade. Agora todos os meus planos vão ser para o próximo Enem", afirma. Com o sonho de cursar psicologia, a jovem se planeja para entrar em um cursinho e assistir às aulas online, percebendo sua abstenção na prova não como uma desistência definitiva, mas apenas um breve desvio de seu caminhar.
Já a concludente do 3º ano no Colégio Estadual Adalgisa Bonfim Soares, Vitória Aline do Nascimento, 18, de modo similar a Yanna, também optou por não realizar a prova. Mesmo tendo realizado a inscrição para o modelo presencial, tomou a "difícil" decisão de se abster por medo de contaminação da Covid-19.
"Meus pais são do grupo de risco, minha mãe tem diabetes. O risco da doença ainda é muito real e só de pensar em ficar de máscara durante 5 horas me dava pânico", compartilha. Carregando essa escolha, sente dificuldade de acompanhar os amigos realizando o vestibular e seguindo para essa nova fase.
"Eu particularmente me culpei por não poder ir", afirma.
Após a abstenção no vestibular, tem se organizado para a preparação pessoal da nova edição do Enem, tendo como um dos objetivos acompanhar cursos gratuitos na internet e buscar provas passadas.
Risco
Realizar a prova era o desejo da estudante Lara Santos, 19, também da Escola Estadual Dr.César Cals. Porém, a desistência do Enem surgiu principalmente pela necessidade de resguardar a saúde de outros candidatos, uma vez que, no início de janeiro, seu primo havia sido diagnosticado com a Covid-19 e sua irmã apresentara sintomas. Apesar de Lara ter sentido nenhum indício de contaminação pelo coronavírus, ficou em casa.
"Foi preciso. Eu tive consciência de não ir pelo fato de que podia estar assintomática e não queria passar para outras pessoas", aponta. Por conta de sua abstenção nesse primeiro dia de prova, diz que tentará a reaplicação do exame, que ocorrerá nos dias 23 e 24 de fevereiro.
A pandemia ocasionou diversas mudanças para o jovem Matheus Parente, 19 anos. Durante o período de adaptação ao ensino remoto, precisou conciliar os estudos com o trabalho. "Ocupou muito o meu tempo, mas eu tinha que trabalhar, senão eu ia passar fome", diz. Essa dupla jornada, por si só, já vem carregada de dificuldades. Com as aulas remotas, o estudante sentiu os desafios aumentarem.
"A compreensão era mais difícil e a comunicação com os professores também", diz. Por isso, após o ano com o ensino conturbado, Matheus optou por não realizar o Enem, mesmo tendo realizado a inscrição.
"Não me sentia preparado. Além de que era um cansaço físico muito grande ir de um canto para outro. Como ia trabalhar no outro dia, resolvi não fazer", detalha.
Para o próximo Enem, assim como suas colegas, Matheus espera conseguir fazer a prova e entrar no ensino superior.
Foi por causa desse mesmo sentimento de despreparo que Gabriela Barreira, 17, aluna de uma escola particular, também optou por não realizar o vestibular. Em seu caso, a desmotivação veio antes mesmo da inscrição, que não chegou a ser realizada. Para ela, a adoção do modelo remoto influenciou diretamente a sua decisão.
"Na minha casa tem muita gente e raramente tem silêncio. Quando as aulas presenciais pararam e foi para o EAD, foi realmente horrível", compartilha.
Além de sentir falta da rede de apoio presencial, como as feiras de profissões, os aulões e simulados, também teve dificuldade para se concentrar e encontrar um ambiente de estudo adequado. "O modelo presencial estava me ajudando, me colocando mais para cima, estava realmente querendo fazer o Enem e me sair bem, depois desandou tudo e acabei desistindo. Não ia ter como fazer a prova se estava naquelas condições", aponta.
Em 2021, dividida entre trabalho e estudo, a jovem planeja se preparar novamente para o vestibular, buscando se inscrever em cursinhos online e complementar o aprendizado com as aulas disponíveis gratuitamente na internet.
Autocuidado
Acompanhando estudantes durante a preparação para o Enem 2020, a psicóloga clínica Yuska Garcia percebe o medo do fracasso como um dos principais receios do vestibular. Esse sentimento reverbera no estado emocional do aluno, podendo influenciar na decisão de desistência do vestibular. "O medo está muito ligado à ansiedade e essa ansiedade leva nossos pensamentos para o futuro", explica.
Por isso, recomenda que os jovens "alinhem a suas ações do hoje com os seus desejos e metas de amanhã", adotando metas diárias de estudo. "Pensar no ano todo, só gera mais ansiedade", reforça.
Além disso, Yuska também aponta a importância da reserva de um momento de autocuidado do estudante. "Que o jovem não esqueça de ter esse momento de autocuidado em primeiro lugar. Seja fazer caminhada, ouvir uma boa música ou assistir a uma série", finaliza a psicóloga clínica.