Durante o mês de junho, a doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2) é duas vezes mais letal na parcela autodeclarada parda do que naqueles que se reconhecem como brancos, em Fortaleza. Enquanto a primeira população registrou taxa de letalidade de 13,7%, o coeficiente da segunda parcela beirou os 6%. Os dados foram calculados a partir da atualização mais recente do IntegraSUS, publicadas às 9h05 desta quarta-feira (1).
Na prática, isso significa que, entre sete pessoas pardas infectadas, uma morre em decorrência da Covid-19 na Capital. Na população branca apenas uma em cada 16 casos da doença evoluem de maneira fatal. Os pardos também concentram o maior número de óbitos acumulados neste mês. Das 226 mortes registradas pela doença em Fortaleza, 201 aconteceram na população parda, um índice de 88%. A incidência branca no mesmo período é de 9,7%.
Apesar dos pardos serem maioria em Fortaleza — de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eles correspondem a 60% da população contra 32% que se reconhecem como brancos —, a alta incidência da doença, bem como a sua taxa de fatalidade, não estariam relacionado a quantidade e sim a questões socioeconômicas, de acordo com o professor e epidemiologista Luciano Pamplona, que leciona na Universidade Federal do Ceará.
“Essa é a vantagem de considerar letalidade e não mortalidade”, reflete Luciano. “Ela vai considerar o número de pessoas que morreram divididas pelo número de pessoas que pegaram a doença. Isso exclui esse dado sobre tamanho da população porque deixa tudo no padrão”, explica.
Vulnerabilidade
O patologista Fábio Távora atribui a vulnerabilidade social como fator para a grande letalidade na população autodeclarada parda. “Existe um estudo feito pela Universidade Federal do Espírito Santo que coloca esse recorte de raça como o quarto maior potencial de letalidade de Covid-19 no Brasil. Ser pardo é um fator de risco maior do que ter uma comorbidade como diabetes, por exemplo”, aponta.
Essa característica, chamada de ‘risco horizontal’, também está presente em outros países mas têm as suas peculiaridades em solo brasileiro. “Aqui é bem mais recorrente pelas nossas condições econômicas. Veja que os pardos têm maior probabilidade de ir para tratamento intensivo do que os brancos, que estão mais propensos a ter planos particulares”, conclui.
Além do acesso precário à medidas de prevenção, como condições para um isolamento social satisfatório, Fábio propõe ainda que à medida em que a população parda ocupa mais os postos em profissões consideradas essenciais ela está mais passível de ser infectada pela doença. “São pessoas que estão ali nos serviços essenciais como entregas, polícia, produtores de alimentos, além de estarem na linha de frente fazendo tratamento dos doentes. Os técnicos de enfermagem, os enfermeiros, a maioria são pardos”, indica o patologista.
Doença avança nas periferias
Mesmo com a redução dos casos de infecção na Capital, a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) se preocupa com a possibilidade de “pequenos surtos” da doença em bairros da periferia. O alerta foi comunicado pelo titular da Pasta, o médico Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o Dr. Cabeto.
“Há uma semana nós tínhamos uma redução abrupta no número de pacientes internados em UTI. Mas, em alguns bairros, tiveram discreta elevação no número de casos. Essas elevações podem indicar pequenos surtos que precisam ser imediatamente tratados. Por isso, é necessário que a população mantenha o isolamento”, reforça o secretário.
A doença alcança e se expande nas áreas mais afastadas do litoral, área nobre da Capital e onde foram registados os primeiros casos. De acordo com o boletim epidemiológico mais recente publicado pela Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS), na última sexta-feira (26), bairros em situação de vulnerabilidade e que registravam alto número de óbitos, começaram a apontar crescimento também no número de infecções.
O documento aponta os bairros com IDH baixo ou muito baixo como concentradores das mortes de Fortaleza. Nestas regiões, estariam localizadas a maior parcela da população parda, que reside em áreas com vulnerabilidade social e econômica. Segundo analisa o epidemiologista Luciano Pamplona, a prevalência segue as dinâmicas de epidemias observadas pela medicina.
“É um fenômeno que nós chamamos de ‘pauperização’. da epidemia. Essas pessoas estão em áreas com menor acesso à saúde. E isso foi percebido na Aids, por exemplo. Ela, como a Covid-19, também começou na classe média alta e evoluiu para a parte mais pobre”, aponta.