Os conflitos históricos entre ambulantes e o poder público no Centro de Fortaleza são a ponta de um iceberg profundo: com o avanço da crise econômica, trabalhadores informais se multiplicam nos espaços, exigindo políticas que vão além do reordenamento urbano.
O Diário do Nordeste ouviu arquitetos e urbanistas, além de um representante da gestão municipal, para tentar responder a questão: é possível organizar o Centro respeitando as necessidades do comércio ambulante?
Verena Lima, professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza que integrou a equipe de requalificação do Centro, aponta que ordenar o espaço público na região “é complexo, porque enquanto há desemprego, aumenta a presença dos camelôs”.
A arquiteta aponta que investir em mais “camelódromos”, como o Feirão São Paulo, é uma solução importante, mas reconhece que “não tem espaço físico para abarcar todas as pessoas”. Ampliar a fiscalização, segundo ela, também é crucial.
Os quiosques nos calçadões, por exemplo, foram uma solução positiva: tiramos os ambulantes da informalidade, passaram por capacitação. Mas o Centro tem muitas outras áreas a trabalhar, e não tem quiosques pra todos.
A professora aponta que as intervenções nas ruas Liberato Barroso e Guilherme Rocha devem ser expandidas para outros pontos, como ruas do Rosário e General Bezerril. “Os ambulantes estão onde as pessoas passeiam, precisamos expandir esses locais”, frisa.
Questionada sobre o problema histórico na Rua José Avelino, Verena destaca que “o perfil dos ambulantes de lá é diferente dos demais”. “A maioria já tem boxes dentro dos galpões, mas quer lucrar também na rua. A Prefeitura olha de uma maneira diferenciada. Não dá pra falar de lá e do Centro ao mesmo tempo”, finaliza.
Caminhos possíveis
Jefferson Lima, presidente do Instituto de Arquitetos Brasil (IAB) no Ceará, reforça que “a questão não é só urbana, mas econômica e social”. Para ele, identificar, cadastrar e formalizar o trabalho dos comerciantes é uma solução possível.
“Reordenamento não é só posicionar pessoas, como caixinhas. É um trabalho de política socioeconômica. Os ambulantes são profissionais fundamentais, mas é preciso mostrar a eles que a profissionalização é necessária”, pondera.
Para o arquiteto, o poder público precisa valorizar e potencializar as vocações locais e incentivar o crescimento dos trabalhadores informais. Seria uma forma de aliar políticas de emprego e renda com a questão urbanística, ele aponta.
Fortaleza é, historicamente, um polo de confecção. E onde está o Estado formalizando o pequeno empreendedor, mostrando que a opção não é só a rua, mas o e-commerce também? A saída não é abancar guardas municipais e impedir de ocupar. Isso é chover no molhado.
Ouvir os trabalhadores ambulantes nas tomadas de decisão é fundamental para os processos de mudança, “porque eles já estavam lá muito antes da ideia de planejamento urbano”, como lembra o arquiteto urbanista Ruy Rolim, mestrando em avaliação de políticas públicas.
Além disso, ele acrescenta: “a solução tem de estar no entorno”. “São os comerciantes que estão antenados com a dinâmica econômica da atividade, então não adianta removê-los para outro local onde ela não acontece.”
É preciso um programa municipal para formalizá-los, tirá-los da ilegalidade, mas, ao mesmo tempo, permitir uma flexibilização. Qualquer ação vai resultar numa reorganização desses comerciantes em outro local.
O arquiteto cita que nos trechos requalificados no Centro, “a caminhabilidade melhorou bastante”, mas que é preciso considerar “a dualidade entre a qualidade do caminhar e do ambiente do trabalhador”. “Não sei se as intervenções funcionariam em áreas com fluxo mais intenso ou que demandassem quiosques maiores”, exemplifica.
A professora Verena Lima compartilha da visão: “não adianta a gente tentar inserir esses quiosques nos locais onde os ambulantes não querem estar. Só podemos atuar onde eles estão. Esse projeto é interessante pro núcleo do Centro. Passou daquele perímetro, não adianta”, sentencia a arquiteta.
“Espaço público não comporta a demanda”
De acordo com a Secretaria da Regional 12 (SER 12), já foram instalados, desde 2018, 155 quiosques para padronizar o comércio ambulante em áreas do Centro, beneficiando mais de mil “antigos ambulantes, que passaram a ser permissionários”.
As cabines foram colocadas nos calçadões das ruas Guilherme Rocha (39 quiosques), General Sampaio (15), Liberato Barroso (51) e Barão do Rio Branco (50).
foi o valor investido nas estruturas de quiosques.
O secretário da Regional 12 (antiga Regional Centro), Júlio Santos, reconhece que “com a pandemia, houve uma onda de desemprego maior, e uma demanda de comércio informal que o espaço público não vai comportar”.
Diante disso, o gestor informa que a pasta tem feito “uma busca de equipamentos públicos para comportar os ambulantes”. Já foram identificadas 660 vagas, 340 delas no Feirão São Paulo e outras 320 no Beco da Poeira.
“A ideia é aumentar esse número de vagas de camelódromos. Para aquecer o Feirão São Paulo, por exemplo, vamos incentivar a ida dos comerciantes, dando um prazo de 6 meses de permanência gratuita lá”, diz Júlio. Não houve menção à capacitação profissional para os trabalhadores.
Segundo o secretário, outros dois espaços requalificados devem ser entregues em breve – a Praça Coração de Jesus, na Av. Duque de Caxias; e o Parque da Liberdade, na “Cidade das Crianças”. “Nessas intervenções, acolhemos o comércio já presente”, garante.