Por vezes, o barco da vida tem direção, mas nada anuncia sobre o futuro. São inúmeras as razões responsáveis por deslocamentos, migrações, refúgios, e para aliviar o sufoco de quem chega a um local distante e desconhecido, políticas públicas são um diferencial. A Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS) atendeu 1.388 migrantes em 2020, um aumento de 234% em relação a 2019, quando foram 415 acolhimentos.
Chegando a novos horizontes cheios de dúvidas e desafios, os migrantes procuram a Pasta com problemas desde dificuldade de abertura de conta no banco até renovação do protocolo de refúgio no País.
De acordo com a coordenadora do Programa de Atenção ao Migrante, Refugiado e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da SPS, Lívia Xerez, o aumento de atendimentos se deveu, principalmente, a orientações sobre o Auxílio Emergencial da Caixa Econômica Federal. Outro fator foi a aderência do acolhimento via aplicativo.
"Muitos estrangeiros precisam resolver coisas e não possuem aptidão tecnológica, então, com as senhas passadas por eles, monitoramos os processos", justifica Lívia Xerez. O caráter virtual possibilitou, via "boca a boca", o atendimento até mesmo na região Sul do Brasil.
Rede
A Pasta mantém uma rede de laços com órgãos como a Polícia Federal, a Defensoria Pública da União (DPU) e do Estado (DPCE) e o Ministério Público do Ceará (MPCE). Atende em inglês e espanhol, e na possibilidade de outro idioma, os respectivos consulados são acionados. Outro integrante da rede é a Pastoral do Migrante de Fortaleza, da Arquidiocese da cidade, e atrelada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). "Nosso carisma é o tratamento com o migrante que está em situação de vulnerabilidade", comenta a agente da Pastoral, Gilvanda Soares.
"Um dos maiores desafios deles é com o idioma, então procuramos parceria com cursos de português, até elaboração e direcionamento de currículos", acrescenta Gilvanda. A Pastoral oferece também auxílio para transporte, pagamento de contas e realização de exames, além de incitar a autonomia e geração de renda dos assistidos. Conforme a DPU, em 2019, foi instituído um Grupo de Trabalho interinstitucional para a construção de soluções para os imigrantes venezuelanos da etnia Warao. Em setembro daquele ano, 40 deles viviam em condições precárias no Centro de Fortaleza, quando um voluntário os acolheu em Caucaia, na Região Metropolitana. Nenhum deles permanece no local, tendo migrado para outro Estado e rompido contato com o dono do imóvel.
Fazem parte do Grupo de Trabalho da DPU a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o Governo do Estado do Ceará, o Unicef, a Pastoral do Migrante, a Federação dos Povos, a Organizações Indígenas do Estado, dentre outros órgãos.
Lucas Guerra, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), ratifica que a migração é um direito internacional. "Fome, violências e ameaças acarretam na migração como única saída, muitas vezes", defende.
Segundo ele, a luta da Comissão é por dignidade para essa população, visando buscar políticas que compreendam locais de estadia e assegurem alimentação e saúde.
. O dia 18 de agosto de 2018 fez moradia na memória do venezuelano Filens Steven, 25, como o dia em que ele deveria ter chegado em Manaus. Horas antes da viagem de ônibus, um comerciante da fronteira foi assaltado. "O clima era de muita raiva, e atribuíram o crime a venezuelanos que moravam nas ruas", relembra. Filens voltou correndo ao país de origem, adiando o sonho da travessia."É preciso ainda compreender as peculiaridades de suas culturas e tradições originais, bem como combater a xenofobia", complementa o advogado Lucas Guerra
Após passar de turista a refugiado, hoje tem permissão para residência no Ceará, onde encontrou a sonhada independência. "Os brasileiros foram muito acolhedores e sem preconceitos. Me deram a mão e me ajudaram. Sou muito grato", se declara aos novos irmãos da pátria escolhida.
O trato "carinhoso e respeitoso" com o migrante também é relatado pela venezuelana Albanela Vasquez, 35. "Graças a Deus estou aqui", confessa. A crítica situação econômica do país vizinho foi sua motivação para a largada. A parada seria obrigatória no lugar que propiciasse mais qualidade de vida às duas filhas, atualmente estudantes da Rede Pública de Ensino do Ceará.
Ajuda
As três adentraram o extremo-Norte do Brasil pelo município de Pacaraima, localizado em Roraima. Apenas com os CPFs, elas solicitaram ajuda a um escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) no Estado. Atualmente, apenas a Carteira de Trabalho da mãe precisa ser atualizada.
Para a professora dos cursos de Ciências Econômicas e Finanças do Campus de Sobral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Alesandra Benevides, o foco na Educação e o investimento em infraestrutura, na Indústria e em setores de exportação explicam a escolha do Ceará como novo destino de tantas famílias. "O Ceará tem crescido economicamente. É óbvio que ele sofre os impactos macroeconômicos das crises que o País passa, mas consegue ser um local que atrai, onde há perspectivas em várias áreas, não focando apenas em um setor", analisa Alesandra, que enxerga o Ceará como uma "ilha" acima da meta.