Um pedaço da Fortaleza que já existia antes mesmo dos anos 1900 ainda resiste não só na memória, mas na paisagem do Centro da cidade. Aberta há quase 120 anos, a Cidade da Criança foi reinaugurada nesta terça-feira (21), após 18 meses em obras.
A requalificação iniciada em junho de 2020 tinha a tarefa de tornar “frequentável” novamente um espaço esquecido, deteriorado pelo tempo, pelo vandalismo e pela falta de manutenção adequada – o oposto do que um equipamento voltado à infância (e histórico) deveria ser.
Ainda em 2019, uma reportagem do Diário do Nordeste denunciou a situação degradante do espaço público: cercado por casarões abandonados, o antigo “Parque da Liberdade” virava cenário para roubos e até violência sexual, apesar da presença de agentes de segurança.
Na tarde de hoje, o equipamento foi entregue pela Prefeitura de Fortaleza com novo mobiliário urbano, pintura e espaços lúdicos infantis. A obra foi contemplada por um pacote de R$ 40 milhões voltado à reforma de espaços urbanos, anunciado em janeiro de 2020.
A Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até a publicação da matéria.
Patrimônio preservado
Para Jefferson Lima, presidente do Instituto de Arquitetos Brasil (IAB) no Ceará, o sucateamento da Cidade da Criança nos últimos anos afetou a dinâmica e a ocupação daquela região do Centro, mas, infelizmente, é apenas o reflexo de uma tendência maior.
"O problema da degradação urbana do Centro após o horário comercial está conectado a uma questão da propriedade da terra, dos usos das edificações. Atrelado a isso, há o problema social que é o agravamento da pobreza e a volta do drama da fome, nos últimos anos de desestabilidade política e econômica do Brasil", analisa.
Além da requalificação da estrutura, criar programações públicas pode ser o caminho para aumentar o fluxo de pessoas. “Temos que pensar em um centro vivo diariamente. Não podemos encarar nossos espaços públicos apenas como programação de fim semana”, frisa.
Quando se tem um uso único, basicamente, em uma área tão grande, o território fica refém do horário daquele uso. No caso do Centro, só há vida, gente circulando, de 8h às 18h. Fora disso, o Centro é um lugar deserto.
O arquiteto e urbanista acrescenta que a falta de manutenção dos espaços públicos, a exemplo da Cidade da Criança, "abre espaço para usos inadequados, que os desqualificam". Ele cita a "apropriação" por parte de pessoas em situação de rua, que "encontram ali uma última solução para terem, pelo menos, um lugar para dormir".
A problemática é atravessada, ainda, pela questão das propriedades: para Jefferson, é preciso que o Estado intervenha, "adquirindo imóveis que estão em completo abandono e diversificando a ocupação", para, enfim, revitalizar o Centro como um todo.
História do Parque
O local começou a ser construído em 13 de maio de 1890, quando recebeu o nome de Parque da Liberdade, em referência à libertação dos escravos. No entanto, só teve sua inauguração oficial em 1902, quando o muro que cerca a área e as primeiras construções foram concluídas, na gestão do intendente Guilherme Rocha.
Em 1922, no centenário da Independência do Brasil, sua denominação passou a ser Parque da Independência. Contudo, em 1938, o espaço recebeu o nome de Cidade da Criança, mesmo período em que foi criado o serviço de educação infantil, mantido pelo Município, com a instalação da Escola Alba Frota.
Em 1948, uma lei retornou o nome para sua denominação original: Parque da Liberdade. Em 1991, a Cidade da Criança foi tombada pelo Município e passou a ser protegida como patrimônio histórico e cultural da cidade de Fortaleza.
Jefferson Lima analisa que a Cidade da Criança faz parte do patrimônio cearense. "Arquitetura eclética e construída nas condições alencarinas, é a que temos, isso posto, temos que aprender a valorizá-la. Afinal de contas é através das diferentes arquiteturas que temos condição de contar a história da cidade”, conclui.