Gerar uma nova vida em meio à pandemia de Covid-19 é, para muitas mulheres, uma mistura de alegria e preocupação. O cenário tem resultado num efeito grave: o adoecimento mental das gestantes. Em Fortaleza, quase 46% delas apresentaram algum sintoma.
O dado é do estudo “Gravidez durante Covid-19: percepção materna sobre a saúde mental, expectativas, medo e os cuidados prestados ao filho”, feito em parceria pela Universidade Federal do Ceará (UFC), a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV) e o Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos, da Universidade de Harvard.
A pesquisa ouviu 1.070 mulheres grávidas de classes média e média alta de Fortaleza, por meio de formulário online, em maio e junho de 2020, período de isolamento social rígido na Capital. Do total, 489 apresentaram sinais de transtorno mental comum (TMC), o correspondente a 45,7% da amostra.
A psicóloga Elisa Altafim, doutora em Saúde Mental, líder de portfólio da FMCSV e integrante da pesquisa, explica o que é e quais os efeitos do TMC.
Márcia Machado, coordenadora do estudo e professora do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFC, lista os agravantes da condição, que se mostrou mais comum entre mulheres nos primeiros três meses da gestação.
“Não ter um companheiro, viver em uma moradia com mais de quatro pessoas, sem distanciamento, e não fazer ou interromper o pré-natal também foram fatores que aumentaram a prevalência de transtorno mental nessas gestantes”, pontua a pesquisadora.
Medo de contrair Covid-19
Mães solo, segundo o estudo, têm maior prevalência de transtornos mentais. A maioria das entrevistadas tinha menos de 35 anos, e são justamente elas, as mais jovens, que ficam mais sensíveis aos efeitos da pandemia na saúde mental.
O medo da Covid-19 se evidenciou como um agravante, já que, em pesquisas anteriores à pandemia sobre saúde materno-infantil, só cerca de 25% das mulheres mostravam sinais de transtornos emocionais, um número que “quase dobrou”, como observa Márcia.
Para Sinnara Costa, 34, que está entre as mais de mil mulheres que responderam à pesquisa, a tensão foi quase inevitável: ela descobriu a gravidez tão esperada duas semanas antes da confirmação dos primeiros casos de coronavírus no Ceará, quando “a cultura de prevenção ainda não estava tão forte”, como relembra.
“Senti, sim, um misto de medo e ansiedade, pela situação do Estado. Mas depois fui me tranquilizando, recebendo muita força da família, que estava toda muito feliz com a chegada da criança. A gravidez foi até um consolo pra viver dias melhores durante a pandemia”, revela.
A preocupação sobre possíveis consequências de uma infecção por Covid para a bebê que chegaria se converteu em cuidados: Sinnara aderiu ao isolamento social total, convivendo apenas com o esposo e a filha de 6 anos.
“Eu tinha preocupação de ter a doença, claro, e principalmente de ter complicações, parto prematuro, de perder a criança ou vir a ter complicações sérias. Em casa, reforçamos todos os cuidados, e tive uma rede de apoio seguindo todas as medidas pra me ajudar”, frisa.
Sociabilizar em isolamento
A tensão pelo risco de contrair a doença pandêmica e a necessidade de isolamento para evitar contágio, porém, se contrapõem à necessidade de socializar sentida pelas mulheres: entre gestantes que trabalhavam fora de casa, a probabilidade de desenvolver TMC é 21% menor em relação às que não têm postos de trabalho externos.
“Ela tem medo de sair de casa, mas a sociabilidade pode fazer com que ela tenha amigos, converse. A questão de manter contato faz com que ela coloque as emoções pra fora. É um fator protetivo à saúde mental, mas de risco em relação à pandemia”, pondera a coordenadora do estudo.
Os riscos à saúde física de mãe e bebê também crescem diante de instabilidades emocionais: conforme Márcia, enfermeira por formação, mães com ansiedade e depressão têm maior chance de aumento da pressão arterial, por exemplo, o que pode levar a partos prematuros.
“Entramos em contato com as associações de enfermagem e médicos do Ceará, com grupos de psicólogos, para apresentar o problema. A própria rede de atenção primária foi informada, para que os agentes comunitários de saúde mandem mensagens, mostrem que estão à disposição dessas mulheres”, afirma a professora da UFC.
Desenvolvimento das crianças
Parte das entrevistadas já tinha filhos de até seis anos, e o comportamento deles também foi abordado no estudo, mostrando dificuldades emocionais, saudade de amigos e familiares e maior exposição a telas, uma possível relação com o distanciamento social.
A psicóloga Elisa Altafim destaca como a importância dos cuidados com a saúde materna para garantir o bom desenvolvimento infantil.
Outra etapa da pesquisa já está em andamento, e vai acompanhar pelos próximos cinco anos cerca de 500 mulheres que tiveram bebês em julho e agosto de 2020, meses finais da primeira onda de Covid em Fortaleza.
“A ideia é avaliar não só a saúde mental delas, mas o desenvolvimento infantil e as questões de parentalidade. Já entrevistamos mais de 200 delas, dessa vez de todos os estratos sociais, e muitas se dizem nervosas, preocupadas e tristes”, relata a cientista da UFC.
O reflexo incide sobre os bebês: cerca de um quarto delas não está amamentando. Num contexto em que a renda de boa parte das famílias reduziu, como pontua Márcia Machado, o futuro preocupa.
“É preciso garantir transferência de renda a essas mulheres, como o Cartão Mais Infância, para evitar a fome. Sem comida e sem amamentar, por questões de saúde, pode inclusive haver aumento da desnutrição dessas crianças”, alerta a pesquisadora.