Impedida de jogar com os meninos na infância, cearense vibra com convocação para a Seleção Sub-20

Aos 17 anos, a atacante tem chamado atenção na principal liga de base do futebol americano

“Saiu! Saiu”, gritou Andréia, mãe de Giovana Canali, ao entrar correndo no quarto da jovem no dia 1º de julho, na pequena cidade de Boca Raton, nos Estados Unidos. Impedida de jogar com os meninos da escola na infância, a cearense celebra 1ª convocação para a seleção brasileira, na categoria Sub-20. A atacante defende o Prime FC, clube que disputa a ECNL (Liga Nacional de Clubes de Elite), o maior campeonato de base dos Estados Unidos.

Aos 17 anos, ela constrói a carreira no esporte sonhando em disputar a Copa do Mundo e as Olimpíadas pela equipe principal do Brasil. Marta é inspiração sempre, mas a jovem admira e sonha em atuar ao lado de Kerolin. 

Olhei meu celular umas dez vezes para ver se estava certa (a convocação). Chequei e tinha lá meu nome certo. Até agora não acredito que entrei. É uma coisa surreal.
Giovana Canali
Atacante Prime FC

“AINDA DRIBLO”

Primeiro, apareceu o futsal ainda na infância, por incentivo do irmão mais velho, Fernando. Os dois jogavam juntos e com outros meninos. Ela gostou. Depois, passou a mostrar o talento na escola. Chamou tanta atenção, que a intolerância chegou como um ímã.

Preconceito é toda hora quando a menina joga com os moleques. Como eu driblava muito, e ainda driblo muito, eu acabava driblando os meninos, aí algumas mães e até os meninos ficavam com raiva. Chegou uma época que me tiraram do time. Aí eu juntei algumas amigas do colégio e criei um time feminino. Era um campeonato dentro da escola, a gente jogava contra as salas. 
Giovana Canali
Atacante do Prime FC

“FOI SURREAL VER MUITOS TIMES FEMININOS”

A família se mudou para os EUA quando ela tinha 10 anos. O país é o maior vencedor de Copas do Mundo feminina: são quatro títulos no Mundial, além de quatro ouros olímpicos. Não por acaso. O trabalho começa na base, passa pelo universitário e segue estruturado até a categoria profissional. De acordo com a Fifa, contando apenas jogadoras menores de 18 anos, são um milhão e meio de atletas registradas. No Brasil, 2.974. 

Entre os técnicos, a diferença também é grande. O número é de 172 mil inscritos para dar aula de futebol feminino em terras americanas e 1.300 do lado de cá. Os números são da Fifa. O impacto da vivência e da prática da modalidade no país foi fundamental no crescimento dela própria como atleta. 

Vi muitas meninas jogando aqui. Foi surreal ver muitos times femininos. Entrei em um, me destaquei e cresci. No começo foi difícil, porque não falava inglês. Minhas amigas me ajudaram e aprendi. Fui me adaptando e melhorando.
Giovana Canali
Atacante do Prime FC

“Jogo numa liga que tem mais de 3 mil jogadoras. Quando cheguei, em todo canto tinha mais meninas jogando futebol. Joguei na escola, em clubes ao redor da minha cidade, até encontrar o que estou agora, que é o FC Prime”, contou. 

Giovana atua na ECNL, que é como um torneio de base semiprofissional. Os olheiros dos times universitários acompanham a competição em busca de talentos. No último ano de colégio, as faculdades convidam atletas que se destacam e oferecem bolsa de estudos. Ainda no 2º ano, a cearense recebeu vários convites.

“Falei com umas 15 ou 20 faculdades pelos EUA, mas eu sempre quis ficar na Flórida. Optei pela Universidade de Miami, que é perto de casa, cerca de 1h, e vou ficar perto da família. Meus pais vão poder ver meus jogos, é time da primeira divisão e uma boa faculdade”, revelou. 

"COMECEI A TREINAR MAIS" (A CONVOCAÇÃO)

Giovana virou notícia em portais locais dos EUA. Não demorou para chamar atenção da comissão técnica de base da CBF, que passou a monitorar o desenvolvimento da cearense.

“Eles acompanharam todos os jogos da minha liga, até que chegou o final do ano (julho) e começaram a pedir mais detalhes sobre mim e já fiquei: meu Deus! Aí comecei a treinar cada vez mais, me esforçar, e aí mandaram mensagem para o meu pai dizendo que ia sair a convocação, para ver se eu ia sair…”, contou. 

Andréia viu o nome da filha e correu para o quarto dela aos gritos. A felicidade da família contrastava com a perplexidade da nova jogadora da canarinho. A camisa 9 do Prime FC conferiu o nome várias vezes até acreditar.

“Estamos orgulhosos. Ela é sempre focada no que faz, é boa aluna. Ela é concentrada, disciplinada nos treinos. Passou quatro ou cinco anos treinando muito forte nos clubes. Isso depende de muita força de vontade. É por isso que agora está colhendo frutos”, disse o pai.

Ao todo, 26 atletas foram convocadas pelo técnico Jonas Urias. Além dela, a outra cearense é Rebeca Costa, do Fortaleza. O grupo realizou um período de treinamentos em Porto Alegre. O time está em preparação para o Sul-Americano, em 2024. Mais três convocações devem ser feitas até o fim de 2023. 

“MARTA É ÚNICA”

Giovana dribla, fareja gol. Na última temporada (2022) a centroavante balançou a rede adversária 15 vezes e deu 5 assistências. Neste ano, já são 16 gols e 12 assistências nas 16 partidas disputadas. Ela sabe em quem se inspirar. Além de acompanhar o futebol feminino europeu, vê na camisa 10 do Brasil uma grande referência. Em Kerolin, outra atacante da seleção, a cearense se identifica na alegria de jogar.

Marta assisto muito, né, claro. Marta é única. Eu também assisto muito a espanhola Alexia Putellas, do Barcelona, ela é muito boa. A Marta é a rainha, mas sei que ela vai se aposentar já já. Uma que eu gosto muito e está crescendo é a Kerolin. Joga no North Carolina (EUA). Gosto dos dribles que ela faz, do jeito que ela joga. Dá pra ver que ela se diverte no campo. 
Giovana Canali
Atacante do Prime FC

Quando volta ao Brasil, ela se divide entre Caxias (RS) e Fortaleza, para visitar familiares. Recarregar a bateria para continuar a busca pelo sonho de jogar pela Seleção no Mundial e nas Olimpíadas é fundamental. A primeira convocação já é um passo importante. Para quem trilha a mesma caminhada, ela aconselha: 

“A parte mais importante de jogar futebol é se divertir. Acho que isso é muito importante pra você gostar do esporte, não porque tem que virar jogadora ou pra ganhar uma bolsa. Tem que jogar só por jogar, pra se divertir, é um esporte, faz parte”, finaliza.

A seleção feminina do Brasil estreia na Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia no dia 24 de julho, segunda-feira, às 8h (de Brasília), no estádio Hindmarsh Stadium. O torneio terá a participação de 32 seleções.