Bate-papo com os Craques: Tinga, das dificuldades financeiras à idolatria no Fortaleza; ouça

Desde a primeira passagem em 2015 na Série A, Tinga, hoje, aos 28 anos, exerce liderança e se tornou um dos maiores ídolos do clube

Uma das melhores testemunhas que o futebol pode proporcionar não é a existência do ídolo, mas a formação, desde os primeiros passos e as histórias inicialmente construídas. A idolatria é a extensão das arquibancadas, o torcedor se identifica no ídolo ou seria o ídolo que se identifica no torcedor? Em processo desde 2015, Tinga é um das maiores identidades criadas no Fortaleza, desde o 'sufoco' da Série C, o título inédito do estadual em 2015 até o melhor momento da história, vivenciando competição internacional e Série A.

"Foi natural, mas muito se passa pela minha volta em 2018, da forma que foi. Quando eu vim em 2015, emprestado, ainda tinha 21, muito novo. Naquela época achei que ainda iria jogar no Grêmio. O Marcelo Paz me ajudou muito, eu o conheço desde 2015 quando ele era diretor de futebol... eu liguei pra ele em 2017 perguntando se teria uma oportunidade em 2018, mas tinha que ver com o Rogério, pois ele não me conhecia. Financeiramente o clube não passava por um momento bom, mas eu abri mão de muita coisa para vir para cá. E foi a partir daí que tudo aconteceu, muito rápido. Era um ano que eu precisava muito do Fortaleza, do torcedor, do Marcelo Paz", revelou Tinga.

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Dificuldades

Mas voltando ao início dessa história, o lateral Tinga não teve uma infância fácil para 'vencer' no futebol, é uma realidade característica do garoto que sonha em ser atleta. Desde a dificuldade da passagem de ônibus, a dificuldade em se adaptar ao Grêmio, a ida ao Internacional com algumas pessoas, ainda jovem, chamando Tinga de mercenário.

"Lá no Grêmio o pessoal não ajudava com nada. Minha mãe não tinha condições, então ela fazia salgados e doces para as passagens. Teve um dia que ela não tinha passagem, o cobrador nos conhecia, sabia que estávamos todos os dias ali, na volta a gente não tinha como voltar, então ele deixou a gente ir na frente sem pagar. Com o tempo estava piorando a situação, eram dois ônibus para ir e voltar, como era eu e ela, eram quatro ida e quatro volta. Então decidi ir para o Internacional, pois lá eles me ajudaram com passagem, alimentação e cesta básica. Então o pessoal lá me chamou de mercenário, mas depois expliquei a situação e eles entenderam". Explicou Tinga.

Cassiano 2015

Mesmo ainda novo e com pretensão de ser titular no Grêmio, Tinga, aos 21 anos, começava a escrever sua história no Fortaleza com título estadual histórico. Quando ele no 'segundo pau' fez assistência mais inesquecível dos últimos anos para o gol de Cassiano, encerrando um jejum sem título e evitando o pentacampeonato do Ceará.

"Ali nem teve pensamento. Quando a gente levou o segundo gol, eu fui pegar a bola no gol e coloquei a bola no meio campo, Ceará tava comemorando e eu já tava na linha esperando a saída. E tinha uns fogos que a torcida soltou e ficou perto da bandeira de escanteio, então fui lá tirar, porque sabia que o árbitro poderia paralisar. Eu não lembro se o Chamusca falou alguma coisa, deve ter falado para o Corrêa e quando saiu a bola no meio, eu saí correndo pra área. Não sabia de nada, se veria em mim ou algo assim, mas eu me coloquei em condição. Não sei porque, eu pensei que essa bola poderia vir em mim, veio muito perfeita só para escorar. Tudo foi muito instinto, ninguém sabia o que poderia acontecer". Relata Tinga.

Era Ceni vitoriosa e saída

Tinga sempre mostrou capacidade física para desenvolver o jogo, mas com Rogério Ceni, o lateral passou a ter atributos técnicos, se capacitar na marcação e principalmente, fazendo alguns gols importantes.

"A gente aprendeu coisas novas com Rogério, os outros trabalhos, basicamente aprendemos a dar passe, coisas de escolinha. Com ele não, eram trabalhos específicos e modificados de passe, que ele (Ceni) e o Charles (auxiliar do Rogério), passavam a noite montando. Os treinamentos eram muito puxados, pegados e quando a gente errava eles ficavam doidos, hoje a gente dá risada, mas na época, nos treinamentos, era muita pressão demais. Entendemos o quanto ficava fácil nos jogos, a dificuldade dos treinos se transformavam nos jogos. Ceni dava ênfase em cada jogador individualmente, para que a gente melhorasse. Merecemos aquele título. Rogério tem muita parte em tudo nesse processo do clube". Conta Tinga.

Em 2020, após o trabalho consolidado de 2019, Rogério, mais uma vez, abandonou o Fortaleza e o que poderia ter complicado a vida útil do clube na Série A.

"Quando chegamos a Salvador, já sabíamos na ida que ele não iria permanecer e ia para o Flamengo. Foi um baque pra gente, pois já tinha feito antes, mesmo prometendo que não faria mais. Até porque, muitos atletas permaneceram no clube porque ele disse que ficaria, então ficou um clima pesado. Naquele momento, qualquer treinador que viria iria ter dificuldade em manter o time e fazer jogar, o perfil estava traçado e não tinha tempo para treinar. Vieram dois profissionais qualificados, mas que não conseguiram fazer o nosso encaixe".

Fator Vojvoda

De forma surpreendente, o argentino transformou o Fortaleza dentro de campo e encaixar um padrão de jogo com rápido entrosamento.

"Muito diferente né? Já chegou botando pra trabalhar, os treinos aumentaram, passamos a treinar em dia de jogo e com muita qualidade. Ele não tinha tempo, né? Iríamos ter muitos jogos. E nesse tempo, ele foi testando e conhecendo a gente, pois as experiências dele para encaixar o time, foi dentro dos jogos. Alguns atletas mudaram de posição e estão rendendo muito, pois nós compramos a ideia dele. Ele apoia muito, não é um cara que xinga, está sempre motivando e sempre falando bem, tranquilo, mas é exigente e quer que a gente se entregue ao máximo", conta Tinga