Afeganistão: mulheres têm educação prejudicada pelo novo regimento

Educação passa a ser regida pelos princípios islâmicos excluindo diversidade de gênero

Mais de 104 milhões de crianças e adolescentes (1 em cada 3) estão fora da escola em países afetados por guerras ou desastres naturais, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Recentemente, com a atual crise no Afeganistão, meninas e mulheres estão vendo o sonho da educação formal ficar ainda mais distante.

A estudante de Ciências da Computação, da Universidade de Cabiul, Aisha Ahmad, de 22 anos, foi uma das pessoas agredidas junto à multidão que tentava pegar um voo para fugir do país no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, no último dia 16 de agosto, que culminou em mortes, dentre a queda de duas pessoas de um avião. Em seu relato à rede BBC, a jovem fez um apelo nas redes sociais para que algum país conceda asilo a ela para que possa concluir os estudos, o que ela não acredita mais ser possível diante da atual situação no seu país.

Outra estudante afegã que se viu forçada a abandonar os estudos é Hada Hamidi, de 21 anos, aluna de engenharia de uma das principais instituições de ensino de Cabul. A conclusão da sua graduação estava prevista para dezembro de 2022. “Vocês, brasileiras, são muito sortudas, porque vivem em um país sem guerra, em paz. Valorizem sua comunidade e busquem seu melhor. Ninguém deveria jamais pensar que uma mulher é fraca e dependente do homem”, disse Hamidi ao G1.

Aisha e Hamidi são algumas das afegãs que estão tendo a educação prejudicada. Conforme explica o historiador e professor Ricardo Carvalho, a educação no Afeganistão passa a ser regida pelos princípios da fé islâmica traduzidos pelo discurso fundamentalista. Com isso, exclui as mulheres e qualquer diversidade de gênero e orientação binária. Assim, mulheres, homossexuais e estrangeiros não-islamizados estarão alheios a qualquer benefício no país, incluindo a educação formal.

Motivo da atual guerra no Afeganistão

Segundo o professor Ricardo Carvalho, o conflito atual no Afeganistão tem uma ancestralidade muito grande. Com o mundo contemporâneo, o país entrou no cenário da geopolítica de forma tensa, principalmente quando foi invadido no final dos anos 70, no início dos anos 80, pelas tropas soviéticas que tentaram garantir o controle da região.

“Esse país sempre foi uma zona de tensões porque equivalia a uma das passagens de rotas comerciais desde a antiguidade, a famosa rota da seda, por exemplo, passava pelo Afeganistão. Então é um território muito desejado”, justifica Ricardo.

Os Estados Unidos acabaram patrocinando e financiando as forças contrárias ao governo soviético naquela época, incluindo muitos grupos ortodoxos, fundamentalistas e islâmicos que seguem o princípio essencial da fé islâmica.

“Esse grupo financiado cresceu, ganhou força, e tomou conta do Afeganistão por muitos anos e agora, depois de longo período de guerrilha, o grupo Talibã - que é um grupo político-religioso - volta ao poder, tomando Cabul, e reconstruindo esse modelo teocrático de governo”, destaca o professor.

Posicionamento brasileiro

O Brasil ainda não se posicionou oficialmente em relação à atual guerra no Afeganistão. No ponto de vista do historiador e professor Ricardo Carvalho, a situação do Brasil é muito curiosa. “Se o Brasil apoia o Talibã desagrada aos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, se alinha à intolerância. Se o país toma uma atitude contrária, é incoerente com o próprio modelo político do Brasil de hoje. Se não se posiciona, assume um atestado de culpabilidade, de não se posicionar diante de um cenário tão grave como esse que o Afeganistão está vivendo”, opina.