Em uma sociedade letrada, não saber ler e escrever leva à exclusão social. Quando a pessoa tem algum tipo de deficiência, por exemplo, é mais provável que o acesso à educação, um direito básico, tenha sido negado a ela.
No Ceará, é mais fácil encontrar uma pessoa analfabeta entre Pessoas com Deficiência (PCDs) a partir de 15 anos do que entre pessoas sem deficiência desse grupo etário.
Quase 32% das pessoas com deficiência no estado são analfabetas, o que representa uma em cada três PCDs. Já entre pessoas sem deficiência o percentual de analfabetismo é de aproximadamente 9% — ou 1 em cada 11 pessoas.
Essa divergência também ocorre na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), onde a taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência é de 19,3%, representando 1 em cada 5 PCDs da RMF. Entre as pessoas sem deficiência, é de quase 5% — praticamente 1 em cada 20 pessoas sem deficiência.
Os dados são do módulo sobre Pessoas com Deficiência da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) 2022, produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles foram divulgados pelo Instituto na última sexta-feira (07).
A importância da inclusão social
Professora titular aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (Faced/UFC), Rita Vieira de Figueiredo aponta a inclusão social e a condição da família de fornecer àquela pessoa acesso a equipamentos que favorecem o aprendizado — como ambientes culturais, bibliotecas, cinemas, teatros etc. — como aspectos ligados a essa discrepância da taxa de analfabetismo entre pessoas com e sem deficiência.
"A conquista do espaço social ainda é um processo que se faz hoje na sociedade, nos meios acadêmicos, escolares e sociais. Então, essa conquista é extremamente importante para garantir esse espaço de convivência entre todas as pessoas", afirma a docente.
Emerson Damasceno, presidente da Comissão Nacional de Defesa da Pessoa Autista e da Comissão Estadual de PCD da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE), também aborda a questão da inclusão e afirma que as instituições não estão preparadas para colocar alunos e alunas PCD no ensino regular.
"Quando batemos na tecla diariamente que pessoas com deficiência por lei têm de estar na mesma escola, no ensino regular, é também pelas pessoas sem deficiência. A sociedade só vai melhorar e progredir quando perceberem que existem amigos com e sem deficiência", afirma.
Em relação aos demais estados brasileiros, o Ceará tem a 4ª maior taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais com deficiência (PCD), atrás de Alagoas (38,4%), Piauí (37,3%) e Paraíba (32,6%).
Damasceno aponta que há uma exclusão secular das PCDs, apesar de na última década o Ceará ter vivido uma "nítida evolução" em relação à educação inclusiva. Como avanços, ele cita adventos legais como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
"De algumas décadas pra cá, existe um avanço. (Mas) o Estado é estruturalmente capacitista: isso é refletido nos gestores, que não têm representatividade; no Judiciário, no legislativo, nos Ministérios Públicos e no executivo. É um reflexo dessa exclusão que permanece e tende a avançar muito mais", pontua.
Escolaridade e renda
A professora da UFC aponta a relação da alfabetização com a renda per capita da região em que a pessoa reside. "Esse fator de se apropriar da língua escrita tem uma relação muito forte com a condição socioeconômica e cultural da região", afirma.
Dessa forma, a docente argumenta que, em primeiro lugar, o desafio seria criar melhores condições de vida para a população de baixa renda. Isso inclui gerar emprego e renda e assegurar o direto a moradia e saúde, entre outros aspectos.
"Quando as necessidades básicas dos sujeitos são asseguradas, eles têm muito mais motivação, muito maior interesse, para outros aspectos que não a sobrevivência imediata. E um deles é a apropriação do saber", afirma.
Dificuldades relatadas
O Instituto considerou pessoa com deficiência o morador de pelo menos 2 anos de idade que tem muita dificuldade ou que não consegue de modo algum realizar as atividades perguntadas em ao menos um dos quesitos investigados.
Os questionamentos envolvem dificuldades em enxergar, ouvir, andar ou subir escadas, no funcionamento dos membros superiores, na cognição (dificuldade para aprender, lembrar-se das coisas ou se concentrar), no autocuidado e na comunicação (dificuldade de compreender e ser compreendido).
No Ceará, as principais questões relatadas foram: dificuldade para enxergar (21%), para andar ou subir degraus (20%), para levantar uma garrafa com dois litros de água da cintura até a altura dos olhos (15%) e na cognição (15%).
Nível de instrução
Quanto à escolaridade, o IBGE mostra que um alto percentual de pessoas sem deficiência não concluiu o ensino fundamental (37%) e uma parcela ainda maior das pessoas com deficiência também não finalizou essa etapa do ensino formal (69%). A professora Rita Vieira de Figueiredo reitera o significado da formação escolar para a vida das pessoas.
"Por que eu preciso de uma formação escolar? O que vou fazer, como sujeito social, no meu meio, na minha comunidade? O que minha comunidade espera de mim? Qual será minha futura profissão? Isso tem uma relação muito forte com a função social da escrita", afirma.
Quando fala sobre as pessoas com deficiência, a professora aponta que é importante que elas e as respectivas famílias vislumbrem suas atividades no contexto social. "Essa motivação em termos de inclusão socioprofissional, é fundamental no processo de aprendizagem de leitura, de escrita e de outras competências para todos os jovens", complementa.
Onde encontrar os dados
Os dados utilizados nessa matéria foram coletados no Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra). As tabelas consultadas para a criação dos infográficos podem ser acessadas neste link.