O Ceará tem 15.364 professores lecionando no Ensino Fundamental e Médio mesmo sem diploma de graduação, como registra o Censo Escolar 2023, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC). O grupo corresponde a 14,4% dos 106.057 docentes atuantes nas escolas do Ensino Básico no Estado.
Ao analisar o País, o Ceará aparece na 13ª posição dos estados que mais têm professores sem Ensino Superior. No Nordeste, está em 7º lugar, na frente apenas do Rio Grande do Norte (12,1%) e de Sergipe (9,8%).
A Lei de Diretrizes e Bases, nº 9.394 de 1996, determina formação mínima de nível médio na modalidade normal para os professores que ensinam nos anos iniciais do ensino fundamental e na educação infantil.
Além disso, o Plano Nacional da Educação (PNE), instituído pelo MEC, colocou a Meta 15 para que todos os professores da Educação Básica tivessem diploma até este ano.
O estado com a menor taxa de professores que possuem apenas o Ensino Fundamental ou Médio é o Espírito Santo: 2,2%. Os dados do Censo Escolar são referentes às escolas públicas e privadas das cidades e dos estados.
No Ceará, grande parte dos profissionais sem Ensino Superior (15.181) concluíram o Ensino Médio, mas 183 cumpriram apenas a "primeira fase" dos estudos. Na capital cearense, por exemplo, 78 professores ministram aulas formalmente apenas com o conhecimento do Ensino Fundamental.
Em relação aos docentes com "segundo grau completo", são 3.743 com esse nível de escolaridade.
Ticiana Santiago, psicopedagoga e doutora em Educação, contextualiza que o histórico da educação é de desvalorização profissional e o direito à formação é relativamente recente.
“Embora as políticas tenham avançado na área e o Ceará seja referência nelas, existe um abismo entre a vivência cotidiana e as condições dessa educação de qualidade se efetivar para os professores e estudantes”, completa.
Há algumas décadas “bastava gostar de educação e aceitar os salários precários” para se tornar professor. “A educação foi compondo seu quadro profissional de forma improvisada em grupos escolares, com ações das igrejas, primeiras damas, profissionais que tinham pouca oportunidade de acesso a educação continuada e em contexto”
Temos política e programas de formação de professores e gestores no Brasil e Ceará. Mas ambos não atendem a perspectiva de demandas ou os desafios históricos dos profissionais da educação que tinham sua contratação garantida antigamente mesmo sem a formação exigida para isso na LDB de 96.
Os principais impactos para a educação, como observa Ticiana, é a dificuldade com a construção de planejamentos de aprendizagem significativos. Para a especialista, os prejuízos vão além da falta de domínio de conteúdo.
“A redução das trocas entre os profissionais que muitas vezes aconteceriam na formação entre pares, o enfraquecimento da categoria profissional. Assim como o adoecimento do professor por assumir na linha de frente e muitas vezes sem os recursos necessários os desafios de cada sujeito da educação”, completa.
No outro extremo, 90.693 professores cearenses possuem graduação e 49.669 já concluíram a pós-graduação, seja especialização, mestrado ou doutorado. Com doutorado, inclusive, 819 profissionais da educação básica possuem o título no Ceará.
Desafio para a formação continuada
Para dar continuidade à formação, os professores encontram dois principais desafios: conciliar a rotina e a qualidade da formação, como analisa Ticiana Santiago.
“Conciliar a árdua rotina de sala de aula, planejamento, projetos, planos de inclusão com o tempo necessário para investir em sua formação pessoal e profissional. Não é à toa que essa é a classe profissional que mais adoece por sobrecarga e precarização laboral”, detalha.
Além disso, a qualidade da formação oferecida “se distancia das demandas vivenciadas em seu contexto. Por vezes presas a um didatismo bacharelescas", completa a especialista em Educação.
Ticiana considera que há uma negligência da importância da vivência, dos contexto e das experiências acumuladas dos profissionais da educação. “Não por acaso as barreiras de educação democrática, participativa e inclusiva são atitudinais. Precisamos investir em formação continuada e em contexto”, frisa.
Com isso, é possível pensar em oportunidades mais proveitosas para o cotidiano profissional de quem está na sala de aula. “Usar os professores não apenas como técnicos, mas sujeitos da educação. Com potência criativa e transformadora”, conclui.
Educação a distância
No início deste mês, houve uma reunião com o Governo do Ceará e a Diretoria de Educação à Distância (EaD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação. A iniciativa surgiu para debater a expansão e a interiorização da rede gratuita no Estado.
A meta é estabelecer parcerias para que todos os municípios cearenses tenham polos de apoio presencial e ofertas de cursos de graduação e especialização EaD até 2025. A modalidade de ensino pode contribuir para elevar a porcentagem de professores com o Ensino Superior.
José Aguilera, secretário executivo do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), frisa que a implantação de novos polos educacionais na modalidade Educação a Distância (EAD) é relevante na expansão de ofertas de vagas.
“A Meta 12 do PNE busca elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público”, acrescenta. Após 10 anos do estabelecimento do PNE, o Brasil está com 25% da taxa líquida e o Ceará com o índice é de 22%, com dados até 2022.
“Essa iniciativa do Governo Cearense com o MEC, por meio da Capes, é fundamental para a educação superior, seja na graduação e na pós-graduação, especialmente na perspectiva de Formação de Professores, nos cursos de licenciaturas”, reforça sobre as áreas como Português e Matemática. Contudo, é preciso refletir sobre a qualidade do ensino.
“A Educação a Distância tem um potencial de formação no âmbito da educação superior, seja na graduação e na pós-graduação. No entanto, o volume de denúncias de cursos sem infraestrutura física e pedagógica deixa altamente vulnerável essa modalidade, bem como, considerando a oferta de vagas majoritariamente ofertadas pelas Instituições de Educação Superior (IES) com fins lucrativos, tornou esse serviço num rentável negócio para as empresas de educação”
Rede pública
A Secretaria da Educação (Seduc), responsável pela oferta da matrícula do Ensino Médio, informou à reportagem que possui 13 mil professores efetivos. "Desde 1997, para assumir o cargo de professor da rede pública estadual o candidato deve ter grau superior em nível de licenciatura plena. Dessa forma, são habilitados nas respectivas disciplinas para as quais se candidatam. O último concurso para professor ofertou vagas para as 13 disciplinas do Ensino Médio, além de Libras (Língua Brasileira de Sinais)", destacou.
Além disso, a Seduc acrescentou que apoia os professores para cursar mestrado e doutorado, por meio de afastamento, e pela oferta do Programa de Formação de Formação Continuada aos docentes. "A pasta pondera que o número apontado pelo Censo é referente a toda a educação básica em funcionamento no estado, e não especificamente à rede estadual", detalhou a Secretaria.
Em nota, a Secretaria Municipal da Educação (SME) informou que todos os professores efetivos e substitutos da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza possuem o ensino superior como formação acadêmica. Atualmente, segundo a Pasta, a Rede Municipal conta com 12.350 professores em atuação nas 623 unidades escolares da Cidade. Desse total, mais de 7 mil possuem especialização, 930 têm mestrado e outros 167 doutorado.
"Vale frisar que a valorização profissional tem sido prioridade na gestão municipal. A Prefeitura regulamentou, por meio de decreto (Lei 11.199/2021), o financiamento de programas de pós-graduação para os servidores municipais do magistério de Fortaleza. Além disso, a política viabiliza convênios com instituições de ensino como Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Estadual do Ceará (UECE)", complementa.
Ainda conforme o comunicado, até o momento 758 servidores da Educação já foram contemplados por meio de incentivo da Prefeitura. "A meta é que até o fim de 2024, a gestão ofereça mil oportunidades de formação stricto sensu (mestrado e doutorado). O investimento total desta política soma mais de R$ 43 milhões", finaliza.
Outro projeto que visa à valorização dos profissionais é o Programa Professores sem Fronteiras, que levará, até o fim de 2024, 200 profissionais da Rede Municipal de Ensino para intercâmbios em outros países. Até este mês, já viajaram 75 profissionais para França, Espanha e Irlanda. No total, o investimento ultrapassa os R$ 8,5 milhões.