Profissão radical: cearense fica a 100 metros de altura para consertar pás eólicas de aerogeradores

Tarefas de reparação são executadas por trabalhadores especializados em altura, que se penduram por cordas ou plataformas suspensas

Quando olha para o horizonte, Francisca Luana consegue ver o mar. Mas, quando olha para baixo, enxerga um vão de mais de 100 metros até o chão cheio de arbustos e areia. Está presa a uma estrutura firme por cordas na cintura, com capacete e óculos escuros para proteger as vistas do sol. As mãos enluvadas e a bolsa de ferramentas a tiracolo completam o uniforme. Nas alturas, tem duas companhias há mais de um ano: os parceiros de trabalho e o frio na barriga.

Aos 25 anos, a jovem é a primeira mulher reparadora de pás eólicas de sua empresa, que atua no Ceará e em outros estados do Nordeste brasileiro. Uma marca que ela carrega com orgulho e atribui à própria persistência em buscar os próprios sonhos, apesar do medo de altura que carrega desde criança.

Natural de Paramoti, no sertão de Canindé, Luana concluiu o Ensino Médio e seguiu para uma nova vida em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza, aos 18 anos. Ao buscar estágio numa agência de empregos, foi selecionada como aprendiz para uma vaga no Complexo Portuário do Pecém, entre Caucaia e São Gonçalo do Amarante, em 2019.

“Eu não trabalhava na área de reparo, mas aprendi bastante. Tinha muita vontade de ser a primeira mulher reparadora e até comentei com colegas. Foi nisso que sempre foquei, que ia chegar nessa área. Os coordenadores me apoiaram quando eu disse que queria e me deram o curso de capacitação. Foi uma realização”, lembra.

Ao longo de duas semanas, teve uma imersão no mundo da mecânica dos aerogeradores, aprendendo as funções e posições de centenas de peças. Assim, se especializou dentro da Aeris Energy, maior fabricante de pás eólicas da América Latina. Ainda dentro da empresa, decidiu se candidatar à Aeris Service, divisão que possui profissionais habilitados para atender ao segmento com reparos, pintura, limpeza, manutenções preventivas e corretivas.

Admitida, Luana passou por um novo treinamento de mais uma semana com mais “mão na massa”. Aprendeu a se prender e a se içar pelas cordas, além de ser preparada para situações de resgate de acordo com parâmetros internacionais. “Temos que ter total conhecimento caso alguém passe mal. A gente também aprende a estar em ambiente fechado, escuro, com fumaça. São pontos importantes”, destaca.

Adrenalina no dia a dia

Para se ter uma ideia da exigência do cargo - predominantemente praticada por homens -, uma simples subida em uma pá eólica para a realização de algum dos serviços pode durar mais de 1 hora. 

Luana estreou oficialmente na atividade em 2022, num parque eólico do Rio Grande do Norte, um dos “maiores desafios” da nova carreira. Precisou subir 120 metros de escada, colocando em jogo todo seu preparo físico.

“A maioria das torres tem elevadores, com uma subida que dura de 7 a 8 minutos. Só vamos de escada se ele estiver em manutenção”, diferencia. 

Toda equipe de reparos é formada por três pessoas. Duas ficam responsáveis pelos consertos em si, e mais uma fica na supervisão. Lá em cima, os técnicos avaliam as documentações de segurança e deixam todos os equipamentos no ponto de uso.

A atividade tem duas divisões. Num reparo interno, os profissionais entram nas pás e fazem uma inspeção detalhada para identificar possíveis problemas, pois é normal que aconteçam fendas e imperfeições durante a rotação para a produção da eletricidade.

Se houver defeito externo, os “alpinistas” entram em ação com o suporte das cordas. “É bem seguro”, garante a reparadora. Finalizado o trabalho, a descida também ocorre pelas cordas - desta vez, de 120 a 125 metros para baixo.

Avançar os limites

Engana-se quem pensa que Luana não tem medo de altura. Tem, e muito. Cada subida e cada rajada de vento sopram novamente um frio da barriga. Mas como, então, ela se controla? “Quando a gente quer realizar um sonho, supera os próprios limites. Um deles foi esse medo. Sempre tive, desde criança, mas sabia que ia atuar nos ares. É normal, é adrenalina”, brinca.

Luana não percebe nenhum tipo de machismo por parte dos colegas homens. Pelo contrário, reconhece neles parceiros que lhe dão atenção e ajuda, quando necessário.

Mas ela não quer ser uma das poucas mulheres em ação no setor. Por isso, busca incentivar outras colegas de trabalho, principalmente aquelas que a procuram para tirar dúvidas. “Falo que é um trabalho complicado, pra quem quer de verdade, e que precisa de coragem e determinação. Se não tiver, você não consegue”, aconselha.

É nessa projeção do futuro que ela se enxerga atuando não só em parques eólicos no Brasil - dos quais já conheceu Rio Grande do Norte, Piauí e Bahia -, mas também em outros países. “Quero levar meu nome para fora”, confessa.

Apesar da vida profissional radical, a reparadora prefere passar os dias de folga em casa, na segurança que só o pé no chão pode dar.