Um prédio na orla de Fortaleza, feito inicialmente em taipa, na década de 1920, detentor de histórias e usos diversos. Já foi um cassino para soldados dos Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial, quando havia uma base norte-americana no Nordeste brasileiro; chegou a ser um bar e restaurante reduto de intelectuais na Praia de Iracema; e hoje é sede de órgão público. O Estoril ajudou a configurar a Praia de Iracema e foi tombado na década de 1980. Em seguida, viu parte da sua estrutura ruir e ser reconstruída. Agora, a Prefeitura “atualizou” a proteção e definiu a poligonal do entorno do bem. E o que isso significa?
A novidade sobre a definição da poligonal do entorno consta no decreto municipal 15.683, publicado no Diário Oficial do Município do dia 6 de julho de 2023. A norma atual reforça o que já estava previsto na lei de 1986 que estabelece o tombamento do bem - a proteção do imóvel em si - mas também avança na definição daquilo que está em volta do prédio, de modo que, com essa atualização, o resguardo, em distintos graus, incide também sobre o entorno da edificação.
O decreto municipal 15.683/2023 sobre o Estoril, estabelece que:
- O tombamento do edifício Estoril recai de forma rigorosa sobre o imóvel;
- O imóvel possui proteção rígida em sua volumetria, fachadas e no ambiente interno;
- Toda e qualquer ação de restauração, manutenção, conservação e adaptações aos novos usos que incidam sobre o Estoril deve ser analisada e aprovada pela Coordenação do Patrimônio Histórico-Cultural da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza;
- O Estoril não poderá ser demolido e suas características originais devem ser preservadas, recuperadas ou restauradas, de acordo com os critérios contidos no decreto.
Qual o entorno protegido?
O novo decreto é um documento que complementa o tombamento do Estoril ao estabelecer um entorno do edifício a ser protegido para garantir visibilidade, ambiência e integração do bem tombado. Na prática, é delimitar a proteção pensando o bem em conexão com as construções e espaços em volta, e não de modo isolado.
O coordenador do Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor, Diego Zaranza, explica que o Estoril foi tombado antes de 2008, época em que entrou em vigor uma lei municipal em Fortaleza estabelecendo parâmetros e exigências que aprimoram a fundamentação do tombamento. Com isso, agora, diante da necessidade de deixar claro o entorno do bem, o novo decreto relacionado ao Estoril foi aprovado.
“Depois desse decreto saiu uma lei municipal (9.347 de 2008) que rege o patrimônio histórico do município de Fortaleza. E essa lei pede que toda instrução de tombamento tenha uma poligonal de entorno definida. Uma zona de amortecimento do patrimônio histórico, onde vai se preocupar com a questão da visibilidade, do protagonismo do bem, da ambiência em que ele está inserido, se tem outros imóveis que se relacionam com ele. Então, a poligonal faz isso, tenta proteger a moldura onde está circunscrito”.
Diego também acrescenta que a definição formal desse entorno ocorre devido a vários pedidos de interferência nos arredores do bem.
“A procura de informações sobre mexer no entorno de um determinado bem, gera a necessidade de a gente fazer a poligonal de entorno. Foi nesse intuito que fizemos. Como forma de proteger, evitar a descaracterização. No caso do Estoril em si, a gente evitou a questão do gabarito, de alturas e de estar alinhado com a legislação do Plano Diretor”.
Nesse sentido, um parecer técnico foi elaborado pela Coordenação do Patrimônio Histórico-Cultural da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza e aprovado pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico-Cultural (COMPHIC), em junho de 2022.
O polígono da área de entorno é demarcado da seguinte forma:
- Ponto A: cruzamento do eixo das vias Rua dos Potiguaras com Rua dos Cariris;
- Ponto B: da Rua dos Cariris seguindo até a confluência da Rua dos Tremembés;
- Ponto C e Ponto D: continuando na Rua dos Tabajaras atravessando o lote até o fim da faixa do calçadão da orla;
- Ponto E: Largo dos Tremembés até o ponto perto da Ponte dos Ingleses pela faixa de praia;
- Ponto F: Seguindo do ponto perto da Ponte dos Ingleses pela Rua dos Cariris até o ponto A.
O decreto também indica que a poligonal de entorno é dividida em duas áreas distintas:
- Área de Preservação Rigorosa (APR): que é caracterizada por ter edificações com: concentração de grande densidade de exemplares significativos da arquitetura religiosa, civil, institucional e militar; conjuntos de edificações que, pela continuidade, harmonia e uniformidade, formam a ambiência de edifícios significativos; relação com acontecimentos históricos ou com personalidades locais, estaduais e nacionais; relação com testemunho das práticas e tradições de uma época da sociedade; exemplo de evolução estilística ou tecnológica da arquitetura; presença de elementos naturais com significação histórica, paisagística ou ambiental.
- Área de Preservação de Entorno (APE): é a área que representa uma zona de transição entre o bem tombado e a cidade.
Parte do Estoril já desabou
Registros indicam que o Estoril - que ainda não tinha esse nome - foi construído na década de 1920 por iniciativa do pernambucano de ascendência portuguesa José Magalhães Porto. A obra foi inicialmente chamada de "Vila Morena", nome que consta no letreiro na frente do imóvel e pode ser visualizado ainda hoje, em homenagem à esposa de José Magalhães, Francisca Frota Porto, conhecida como Morena.
A edificação tem a entrada voltada para a Rua dos Tabajaras e as “costas” para o mar. Décadas depois, a Vila Morena foi vendida e o prédio se tornou um cassino e clube de veraneios que chegou a ser utilizado por soldados dos Estados Unidos, na época da Segunda Guerra Mundial, quando o país norte americano instalou base no Nordeste brasileiro.
Após a Guerra, em 1948, a Vila Morena foi alugada a dois irmãos portugueses que a transformaram em um restaurante e o batizaram de Estoril, em alusão a uma cidade homônima em Portugal. Essa fase do Estoril é marcada pela imagem da boêmia, sendo reduto de intelectuais e artistas na Praia de Iracema. Depois, a edificação passou a outros donos.
O imóvel foi desapropriado pela Prefeitura de Fortaleza em 1992, na gestão do ex-prefeito Juraci Magalhães, conforme registrado em matéria do Diário do Nordeste da época. Mas, em abril de 1994, quando a Prefeitura ainda não havia resolvido a situação do prédio, e uma família - antiga proprietária - ainda o habitava, parte da torre do equipamento desabou em uma chuva.
A situação de abandono, que já era denunciada, gerou ainda mais comoção na cidade e debate sobre a necessidade de preservação do patrimônio. Após a ocorrência, o prédio foi reformado pela Prefeitura com a promessa de conservação das características e das linhas arquitetônicas originais. A edificação, que no decorrer dos anos, foi perdendo a taipa que deu lugar ao concreto armado e alvenaria, foi reconstruída e assumiu o atual formato.
Desde então, o Estoril passou a ser administrado pela gestão municipal, reabrindo em 1995 como Centro Cultural. Já em 2017 se tornou a sede da Secretaria do Turismo de Fortaleza e assim permanece até hoje.
Características do Estoril
No decreto que definiu a poligonal do entorno do Estoril consta que “a relevância da edificação está pautada em sua arquitetura expressa um linguajar eclético, com predominância de elementos neocoloniais”. A norma menciona que a construção inicial “foi executada em taipa de mão, sem qualquer auxílio de engenheiro, arquiteto ou qualquer outro profissional normativo do ramo da construção civil”.
Na época da construção, diz o decreto, a Praia de Iracema (conhecida como Praia do Peixe) “era habitada principalmente por pescadores e dominada por casas simples de taipa, e teve seu padrão habitacional mudado justamente a partir da construção do Estoril”.
O edifício, menciona o documento, “contribuiu para formação da nova feição paisagística do bairro, que se foi convertendo paulatinamente em endereço das construções de casas de veraneio da elite fortalezense”.
Outro destaque é que a edificação também “influenciou o nome das ruas em seu entorno, bem como do bairro em que se insere”. A mudança de Praia do Peixe, para a atual Praia de Iracema, diz o decreto, foi um empenho do primeiro proprietário do imóvel, José Magalhães que atuou para a alteração da antiga denominação fazendo com que as ruas do entorno fossem batizadas com nomes alusivos a tribos indígenas do Ceará.