As aulas dos estudantes da rede pública municipal de Fortaleza deveriam ter começado no dia 27 de janeiro. Mas, um impasse relacionado à atualização do piso dos professores tem afetado a normalidade deste início. Professores cobram o reajuste salarial anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) cujo o percentual para 2023 é 14,95% e faz o piso chegar a R$ 4.420,55.
A Prefeitura pede o retorno às aulas e diz que cumprirá o valor estabelecido, sem detalhar ainda o percentual de reajuste a ser adotado. Assim, a questão não se encerra aí. São muitas as dúvidas sobre de que modo a atualização do piso, de fato, será aplicada.
Desde o dia 27 de janeiro, professores estão paralisados e realizam atividades de mobilização. Nas escolas, a Prefeitura garante que as unidades seguem abertas para alunos e famílias, de acordo com o horário das aulas. Em decisão nesta quinta-feira (2), a categoria, em assembleia decidiu manter a paralisação até a próxima quarta-feira (8), quando haverá um nova reunião entre a gestão e o Sindiute.
O Diário do Nordeste ouviu a secretária municipal de Educação de Fortaleza, Dalila Saldanha, e a presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará (Sindiute), Ana Cristina Guilherme, sobre o assunto.
Com base nos argumentos, é possível traçar alguns pontos cruciais no processo de negociação que precisam ser equacionados para que a situação seja resolvida. São eles:
- A aplicação ou não dos 14,95% no reajuste do piso salarial: O entendimento e o pleito da categoria é que o adequado, tanto para seguir a regra como para garantir a valorização dos profissionais, é aplicar exatamente o percentual anunciado pelo MEC, enquanto a gestão argumenta que alcançado o valor (R$ 4.420,55) e não a porcentagem (14,95%), já estaria obedecendo a lei do piso;
- A definição do percentual de reajuste que irá repercutir na carreira: A cobrança é por adoção de um valor que possa repercutir em todos os níveis da carreira, ou seja, que aplicado ao nível inicial - professor com nível médio - possa também ser adotado para os demais salários: de professores com graduação, especialização, mestrado e doutorado. Segundo a Prefeitura, ainda não há definição de qual será esse percentual;
- Dinâmica do processo de negociação e garantia de aulas: Se por um lado a categoria condiciona o retorno das aulas à apresentação de propostas concretas e detalhadas por parte da Prefeitura, por outro, a gestão municipal requer que os professores retornem às salas para que a negociação tenha prosseguimento imediato e só então será possível chegar a um consenso sobre os percentuais. Vale destacar que a Lei do Piso - 11.738/2008 - preconiza que o ajuste deve ser feito a cada ano no mês de janeiro).
O que foi anunciado até agora?
Na terça-feira (15), o prefeito José Sarto em reunião com os representantes do Sindiute anunciou, conforme a secretária Dalila Saldanha, que “nenhum professor do nível médio no magistério receberá abaixo do piso (R$ 4.420,55). Daí para a frente (outros níveis) o que será concedido a mais, e como ficaram as metodologias para que tenham repercussão na carreira do magistério, só (será definido) depois que a categoria der o retorno”.
Dalila ressalta que o prefeito pediu aos professores que retornassem às atividades para que “a partir disso, a gente continue a discussão para encontrarmos um formato para encontrar um percentual X para aplicar na repercussão de toda a carreira”.
O percentual da repercussão, ou seja, o que será adotado para atualizar os demais salários - para além do piso - “não existe ainda”, enfatizou a secretária.
“Isso nós vamos encontrar de forma conjunta a partir dos estudos que serão apresentados. O que está garantido é que na carreira de nível médio o professor vai ganhar, no mínimo, o piso”.
O que os professores defendem?
Os professores, afirma Ana Cristina, esperam justamente que o percentual seja anunciado, pois, segundo a sindicalista, na reunião, Sarto usou uma “espécie de manobra” para dizer que pagará os R$ 4.420,55, mas não assegurou os 14,95% cobrados pela categoria e referenciados na Lei do Piso.
“Hoje, o piso do município, ou seja, a primeira referência no nível médio, é 3.619,77 reais. Para o professor ter o piso de 2023, ele teria que passar para 4.420,55 reais. Essa diferença do que é hoje para o piso nacional é mais de 20%. Para a Prefeitura dar o piso com repercussão na carreira teria que dar um reajuste de 23,72%. Nós estamos pedindo isso? Não. Estamos querendo que ele (prefeito) dê o percentual que o MEC estabeleceu para o piso, os 14,95%”.
Já a secretária Dalila, questionada sobre o salário inicial pago na rede municipal de Fortaleza ao professor de nível médio, disse que “A gente não consegue definir sem olhar para cada profissional onde ele está. Isso a gente ainda não conseguiu fazer pois temos que solicitar à Secretaria de Planejamento e Gestão e eles estão justamente neste trabalho para que a gente possa apresentar na próxima reunião com o Sindicato”.
Ela acrescenta que “certamente há professores que o vencimento (salário) base não está no nível mínimo e é isso que nós estamos buscando. Em 2022, todo mundo ficou acima do piso (que era R$ 3.845,63)”.
Hoje, segundo ela, a Prefeitura consegue dizer que a menor remuneração (diferente do salário, junta o salário com outras garantias como anuênios, progressões e Regência de Classe) é R$ 7.900.
Como foi no ano anterior?
Em 2022, o percentual anunciado pelo MEC para o reajuste foi ainda maior, com índice de 33,24%, o valor do piso passou de R$ 2.886,24 para R$ 3.845,55. O cálculo do piso tem como base o Valor Anual Mínimo por Aluno, montante que é definido pelo MEC que deve ser gasto por estudante dos anos iniciais do ensino fundamental. A regra tem sido aplicada desde 2009.
“No ano passado, a decisão da Prefeitura foi por aplicar na primeira referência do nível médio e não teve nenhuma paralisação. Agora, por que esse ano ele quer fazer diferente? Os 33,24% foi aplicado na referência um. No primeiro dia de aula, ele (prefeito) mandou (a proposta) para a câmara e a gente foi pra aula. Agora, esse ano ele quer fazer diferente e não quer os 14,95%”, relata Ana Cristina.
Em 2022, a Prefeitura juntou 11% de reajuste concedidos de modo geral aos servidores municipais com 22,24% concedido aos professores, e conseguiu garantir o pagamento de 33,24% anunciados pelo MEC para o piso salarial do magistério.
Conforme a secretária, Dalila, “cada ano é uma realidade diferente”. Em 2022, diz ela, “o cenário era outro”. “O prefeito concedeu o percentual de 11% a todos os servidores. Cada ano é uma realidade. Estamos enfrentando uma situação cada vez mais difícil. Por exemplo, a mudança no ICMS afetou de forma drástica as receitas nos municípios e estados. Esse é só um aspecto que diferencia o ano passado deste. E tudo isso tem que ser levado em conta”, argumenta.