Visando investigar o histórico de 80% das terras de Jericoacoara que uma empresária diz possuir, o Ministério Público do Ceará recomendou nesta sexta-feira (25) ao Estado do Ceará, à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) e ao Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) a suspensão do acordo envolvendo o local. Iracema Correia São Tiago, 78 anos, afirma que possui o equivalente a 50 mil m² de terra da vila turística.
A suspensão, recomendada pela Promotoria de Justiça de Jijoca de Jericoacoara, deverá seguir até uma análise dos documentos e procedimentos solicitados. É citado pelo MPCE que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) aponta, em processo judicial, existir dúvidas sobre a titularidade do local.
Conforme determinação, o Governo do Estado, Idace e a PGE devem apresentar diversos documentos, incluindo cópias integrais de processos administrativos e portarias relacionadas ao imóvel Junco I.
Sobre o histórico do imóvel e levantamentos topográficos também foram solicitados informações detalhadas do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Acaraú e ao Cartório de Registro de Imóveis de Jijoca de Jericoacoara.
O MPCE oficializou a recomendação também ao prefeito de Jijoca de Jericoacoara, o presidente da Câmara Municipal, ICMBio e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) justifica que, apesar da iniciativa do Ministério Público, o acordo celebrado "já se encontra suspenso desde o dia 16 de outubro", por decisão da própria Procuradoria, depois de uma associação local solicitar prazo para manifestação.
"Após referido prazo e quando apresentadas as documentações, serão analisadas as provas e as evidências porventura juntadas ao processo", continua a PGE.
O órgão ressalta que o exame final ocorrerá "conforme o rigor legal", tendo como principal interesse "proteger a vida e a rotina de todas as pessoas e estabelecimentos comerciais que atualmente estão na Vila de Jericoacoara".
Entenda o caso
Iracema Correia São Tiago, 78, afirma ser dona de uma área equivalente a 80% da vila turística desde os anos 1990. O assunto é tratado em processo extrajudicial entre ela e a Procuradoria Geral do Estado (PGE).
O acordo para transferência das terras foi firmado em 2023, sem participação da comunidade, segundo o Conselho Comunitário de Jericoacoara, que é contra o acerto.
Segundo Iracema, que se manifesta por meio de advogados, o ex-esposo (José Maria de Morais Machado) adquiriu, em 1983, três terrenos em Jericoacoara, totalizando mais de 714 hectares de área – propriedade assegurada por escrituras públicas. Dentro desta área estão cerca de 80% da Vila de Jericoacoara.
Em 1995, a cearense se divorciou do marido, ficando com esse território na partilha de bens. Em paralelo, no mesmo ano, o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) iniciou o processo de regularização fundiária em Jeri, cadastrando moradores e transferindo a eles o título de propriedade das terras onde moravam.
Para fazer isso, o Estado arrecadou 88 hectares da Vila de Jericoacoara. Isso significa que o poder público não encontrou documentos que atestassem que as terras já tinham dona – e, então, as tomou como propriedade para transferir oficialmente aos moradores.
Mas dos 88 ha arrecadados em 1995, 73 ha já pertenciam, com registro cartorial, a Iracema São Tiago. Anderson Parente, advogado da família, acredita que a falta de tecnologia, “com matrículas escritas à mão ou datilografadas”, e a mudança de localização dos cartórios da região à época podem ter impedido o Estado de encontrar os registros das terras.
Em nota enviada na última semana ao Diário do Nordeste, Procuradoria Geral do Estado (PGE) reconhece a autenticidade das escrituras, pontuando que está “tudo regularizado perante o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), conforme atesta o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural”.
Dos 73 hectares pertencentes a Iracema, ela reivindicou ao Idace, inicialmente, a retomada de apenas 18 ha, que seriam a única área não ocupada por moradores, comércios ou terrenos de interesse público. O restante foi cedido pela empresária.
Contudo, Samuel Machado Guimarães, empresário do ramo agropecuário e sobrinho de Iracema, afirmou, em entrevista ao Diário do Nordeste, que o acordo inicial já foi modificado, de modo que, hoje, a família reivindica uma área “de no máximo 5 hectares”, o equivalente a 5 campos de futebol.
“Em cima dos 80% que falam que ela tem, ela está ficando com menos de 4%, que foi justamente o que o Estado e o Município dispuseram a ela. Para não mexer na vida coletiva, foi aberta mão dessas áreas. Foram feitos todos os tipos de concessões necessárias ao acordo, para não mexer em momento algum na rotina da Vila”, revelou na última semana.
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