O ônibus cruza o portão do Terminal do Antônio Bezerra e, 2 minutos depois, passa pela Guararapes rumo à Barra do Ceará. Por muitos anos, esse foi o percurso de muitos para ir à casa, visitar familiares ou mesmo passear. Agora, a permanência da paisagem é incerta.
Ponto de trabalho, de encontro e, além de tudo, de referência, a tradicional fábrica de confecções encerrou as atividades nessa terça-feira (10), após quase 5 décadas de contribuição à economia e à dinâmica da cidade.
Ainda nos anos 1980, o “boom” industrial da região foi marcado pela forte chegada de metalúrgicas, mas também pela inauguração da Guararapes, que consolidou o setor têxtil naquela área – e gerou mudanças urbanísticas, econômicas e sociais, como pontua o historiador Adauto Leitão.
“Com o crescimento industrial na região, as pessoas que trabalhavam por lá começaram a migrar para a Grande Barra do Ceará. Houve até um inchaço populacional por causa dessas indústrias”, destaca Adauto.
A fábrica marcou, inclusive, transformações na moda da época.
Em Fortaleza, não existia calça jeans. Era de tecido, boca de sino, outros estilos. A Guararapes trouxe o jeans como peça acessível.
Durante 13 dos 49 anos de vida, os percursos diários da costureira Rosângela Maciel foram desenhados pelas fábricas ligadas à Guararapes. “Comecei a trabalhar na fábrica 2, depois na 3, aí fui transferida pra 1, onde passei 2 anos. Essa que fechou”, narra.
Moradora do bairro Planalto Pici, “do outro lado da avenida Mister Hull” e a poucos minutos de ônibus do local de trabalho, Rosângela descreve que a empresa atravessava gerações em muitas famílias da região.
“Muita gente por aqui trabalhava lá, muitos familiares meus. Sobrinho, prima, irmão, cunhado… Gente que morava perto, mas também que morava longe. E até quem se aposentou e continuou lá”, lembra, com o tom pesado de quem lamenta pelo fechamento.
'Vazio humano'
A principal perda com o fechamento da Guararapes, a curto prazo, é econômica: cerca de 2 mil pessoas ficaram sem emprego. Muitas delas são mulheres que, como relembra o historiador, tiveram lá a primeira oportunidade de inserção no mercado de trabalho.
Outro aspecto, porém, entra em pauta de forma quase imediata: o “vazio humano”, conforme analisa Adauto. “Muito cedo da manhã ou nos finais de tarde, um mulherio de roupa branca com a letra G ocupava as paradas de ônibus”, rememora.
A depender do que vai funcionar lá, haverá o vazio de pessoas circulando, o que também gera economia. Quantos pro ali vendem lanche? E o transporte, que atende a essa movimentação?
Por se localizar “numa esquina estratégica”, o prédio se tornou uma referência – “e virar um prédio fantasma seria o pior dos cenários”, afirma o historiador, torcendo para que a fábrica continue erguida e ativa, independentemente da ocupação.
“Na cidade, há imóveis históricos de referência. Falando neles, pensamos sempre em casarões, igrejas, por exemplo. Mas uma indústria como aquela também cria uma ocupação dentro do imaginário coletivo”, finaliza