Entenda como é usina que Cagece quer construir para tratar água do mar para consumo em Fortaleza

Governo do Estado autorizou, neste mês, a desapropriação de terreno na Praia do Futuro para realizar a obra, em meio a impasses sobre possíveis impactos sociais e ambientais

Garantir o abastecimento de água a 720 mil pessoas em Fortaleza. Esse é o principal objetivo da usina de dessalinização a ser construída na Praia do Futuro até 2026. Em meio a impasses sobre impactos ambientais, sociais e até às telecomunicações, o Governo do Estado definiu, neste mês, a área que será desapropriada para erguer o equipamento.

A usina deve ser instalada no quadrilátero formado pelas avenidas Clóvis Arrais Maia e César Cals com as ruas Doutor Antônio Carneiro e Visconde de Cairu, como delimita publicação no Diário Oficial do Estado do último 4 de agosto.

Idealizado pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) em 2015, o projeto teve licitação aberta em 2020, e o início da construção era previsto para este ano. A vencedora do certamente, e, portanto, responsável pela obra é a Sociedade de Projeto Específico (SPE) Águas de Fortaleza.

O investimento é de R$ 3 bilhões para 30 anos de operação. O formato, porém, tem sido contestado por especialistas de diversas esferas.

Como funciona a dessalinização

Com a instalação da usina, são inseridas tubulações no mar de Fortaleza para retirada da água a ser filtrada (e transporte à adutora de captação) e para devolver os “restos de sais” do processo ao mar. 

O resultado é a obtenção de 1m³ (mil litros) de água doce potável por segundo, como projeta a Cagece.

“O que é produzido ao final é um concentrado que já existia no mar. Esse material é devolvido ao mar em região que não haja impacto à biota marinha, e numa faixa de até 40 metros a água retorna à concentração salina normal”, explica Silvano Porto, coordenador da Dessal/Cagece.

O cronograma original previa começar as obras no início de 2023, mas, em janeiro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) enviou um comunicado oficial à Cagece apontando risco das intervenções a cabos de fibra óptica submarinos.

“Os projetos e estudos foram refeitos para atender à recomendação de 500m (de distância entre os cabos e os dutos da usina), e isso impactou o início da obra, que agora é previsto para julho ou agosto de 2024. O prazo pra finalização é de dois anos”, pontua Silvano.

Pelo menos 10 bairros, ele lista, devem ter o abastecimento garantido pela usina:

  • Serviluz;
  • Mucuripe;
  • Aldeota;
  • Praia do Futuro I;
  • Praia do Futuro II;
  • Vicente Pinzon;
  • Caça e Pesca;
  • Castelo Encantado;
  • Meireles;
  • Cidade 2000 (parcialmente).

“A importância é que tem uma fonte de água que independe de chuva: por mais seco que o ano seja, temos o mar à nossa porta para ofertar água aos consumidores locais. À medida em que trago segurança a essa região, trago indiretamente às demais, porque libero um volume de água a outros consumidores”, explica o coordenador.

Impasses na construção

A Planta de Dessalinização foi tema de reunião na Câmara Municipal de Fortaleza, quinta-feira (10), em que foram questionados à Cagece os impactos da usina à comunidade do entorno da Praia do Futuro, à fauna marinha, aos cabos submarinos de fibra ótica que chegam pelo mar e até ao bolso da população, por alterações na tarifa.

Sobre os efeitos sociais, o vereador Gabriel Aguiar, biólogo e vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, citou como “preocupações” a presença de idosos e autistas moradores do entorno, pela “sensibilidade aos ruídos” gerados pelo futuro equipamento.

O Estudo de Impactos Ambientais (EIA) da usina, que tem 1.435 páginas, identificou que “nas proximidades do terreno de implantação do empreendimento, existem 22 residências vizinhas, sendo dois pontos comerciais”, todas na Comunidade do Trenzinho.

O representante da Cagece garantiu que “foi uma preocupação da companhia que não houvesse incômodo à vizinhança, e está sendo providenciado isolamento acústico nos edifícios mais próximos e nos equipamentos da usina”. 

Quanto ao meio ambiente, Gabriel listou que a tubulação para “devolver” o sal ao mar após o tratamento da água “cortará corais, algas e o ecossistema” do trecho, e avaliou os estudos de impacto como “insatisfatórios”.

Fábio Perdigão, pós-doutor em Geografia e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) que integrou a elaboração do Estudo de Impactos Ambientais (EIA) do projeto, afirma que “os impactos marinhos não são uma preocupação”, uma vez que “o estudo tem 140 páginas apenas sobre o ambiente marinho”.

Também presente na reunião, a secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, Luciana Lobo, afirmou que a Seuma “tem interesse em ter acesso formal ao estudo ambiental”, já que “o início das obras fica condicionado à emissão de alvará” pela Pasta.

“Até o momento, não foi dada entrada no alvará de construção. Paralelo a isso, precisamos de um parecer da Seinf (Secretaria Municipal de Infraestrutura), já que existirão cabos subterrâneos nas vias públicas. Aguardamos o que os estudos vão trazer”, pontuou Luciana.

Cabos de internet e telefonia

Outro fator que inflamou a discussão sobre a construção da planta de dessalinização foi a possível interferência da estrutura nos cabos de fibra óptica que trazem internet e telefonia ao Brasil e a demais países da América do Sul.

João Marcelo Azevedo, superintendente de Controle de Obrigações da Anatel, apontou que a agência “se manifesta contra a construção da usina naquele ponto”, já que existem “estruturas vulneráveis” que podem ser danificadas com a passagem dos dutos de retirada e devolução da água marinha.

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cabos submarinos vêm de outros continentes ao Brasil pelo litoral de Fortaleza, segundo a Anatel, e há previsão de chegarem mais 3. 

Silvano Porto reforça que as alterações no projeto asseguram as estruturas, e aponta que a Praia do Futuro foi escolhida após análise de estudos feitos por empresas, que elencaram possíveis áreas para instalação da usina. 

“Elas consideraram critérios como proximidade de um sistema de abastecimento de água, disponibilidade de energia elétrica, não impacto a comunidades tradicionais (indígenas e quilombolas) e questões marinhas. Mais de um estudo apontou a Praia do Futuro”, frisa.

A construção da planta de dessalinização custará em torno de R$ 520 milhões. O valor restante da licitação, que ultrapassa R$ 3 bilhões, cobre a operação por três décadas. A Cagece não descarta aumento da tarifa, mas afirma que o valor a ser pago “não está longe do convencional”.