De construção de hospitais a Samu em todas as cidades, quais os avanços do Ceará na Saúde em 8 anos

Gestão Camilo/Izolda cruzou crises e até pandemia, mas deixa como marco a ampliação do acesso a serviços no interior, segundo especialistas

A distância percorrida por moradores do interior do Ceará para ter acesso a hospitais de maior porte diminuiu. É o reflexo da regionalização da saúde, o ponto mais destacado por especialistas e gestores como legado da gestão Camilo/Izolda nessa área.

Mas qual cenário a chapa recebeu ao iniciar o governo e qual deixará para o governador eleito Elmano de Freitas, chefe do Executivo a partir de 2023?

Um dos pilares mais essenciais e complexos de se sustentar no Brasil, a Saúde cearense – que teve 4 secretários desde 2015 – cruzou reais “terremotos”, ao longo de 8 anos, da epidemia de zika e Síndrome Congênita à pandemia de Covid.

A médica Magda Almeida, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC) e ex-secretária executiva de Vigilância e Regulação na Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), frisa que a interiorização da saúde “desafoga” o SUS, mas que o Ceará ainda tem regiões críticas.

“A regionalização permite que o paciente usuário do SUS tenha acesso ao tratamento mais adequado sem se deslocar grandes distâncias, e isso agiliza muito a jornada terapêutica. A intenção é que as regiões de saúde sejam autossuficientes no maior grau possível”, explica.

A regional de saúde mais crítica é Fortaleza, porque é composta por 44 municípios, e o grande centro de atendimento é a capital. Precisamos que alguns centros como Caucaia e Maracanaú tenham capacidade instalada de serviços pra acolher essas demandas. A Região Norte também é crítica e tem vazios assistenciais.
Magda Almeida
Professora do Dep. de Saúde Comunitária da UFC

A especialista pontua que “essas duas regiões têm um agregado populacional bem maior, mas não tem os equipamentos de saúde necessários pra isso”.

Ao Diário do Nordeste, a Sesa destacou que foram inaugurados, em 2016 e em 2021, dois hospitais regionais: o do Sertão Central (HRSC) e do Vale do Jaguaribe (HRVJ), de modo que “moradores de 40 municípios foram beneficiados com novos serviços de saúde de alta complexidade”.

Já em 2020, durante a pandemia, o Estado adquiriu 5 hospitais: Leonardo da Vinci (HLV), em Fortaleza; Regional de Itapipoca, Geral de Crateús, Dr. Estevam Ponte (em Sobral) e São Francisco (no Crato), estes cedidos às administrações municipais.

Apoio aos municípios

A expansão da estrutura de atendimento nas grandes regiões de saúde foi “extremamente importante” para ampliar o acesso de populações mais remotas, como cita Sayonara Cidade, presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Cosems/CE).

“Claro que ainda temos a necessidade e a possibilidade de mais dois hospitais, um no Sertão dos Inhamuns e outro no Maciço de Baturité, mas os regionais já construídos são de grande importância, porque a alta complexidade estrangula a capital”, avalia.

A gestora diz ainda que a estruturação de redes de atenção nas policlínicas e a transformação dos hospitais de pequeno porte em unidades de estabilização de pacientes facilitaram os atendimentos – principalmente na pandemia.

(A criação das) salas de estabilização era uma definição que foi revogada pelo Governo Federal. Mas os municípios criaram as unidades financiadas pelo Governo do Estado – e um número importante de vidas foram salvas nelas, na pandemia.
Sayonara Cidade
Presidente do Cosems

Sayonara pontua que a próxima gestão precisa fortalecer o apoio às cidades na atenção básica, que inclui postos de saúde, equipes de saúde da família e outros profissionais que atuam para prevenir doenças – e não apenas remediá-las.

“Precisamos mudar muita coisa na saúde, inclusive o modelo, que é baseado na doença aguda – e precisa ser baseado na doença crônica. A população está envelhecendo e a gente precisa dar conta dessa mudança”, alerta.

A cooperação entre Estado e as prefeituras, aponta a presidente do Cosems, também foi um marco da atual gestão – decisivo para melhoria de indicadores fundamentais. “A atenção básica do Ceará apresentou os melhores resultados do País no Previne Brasil, o que é um resultado conjunto”, resume.

O Previne Brasil, em vigor desde janeiro de 2020, determina coberturas mínimas a serem cumpridas pelos municípios para que o repasse de “incentivos” financeiros cresça. O apoio do Estado, como segundo ente mais “rico” dos três níveis de governo, é essencial para atingir as metas, segundo Sayonara.

Samu em todo o Ceará

A ampliação do número de hospitais-polo nas regionais de saúde facilita não apenas o atendimento mais complexo à população das cidades, mas a quem está em trânsito: com mais “pontos de parada”, há mais suporte às unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192).

Nilson Mendonça Filho, superintendente do serviço, explica que “o Samu Ceará precisa da evolução e do aumento da rede, através dos hospitais regionais”. “Eles nos dão suporte maior, nosso deslocamento diminui muito com essas unidades”, diz.

O Samu é quem faz a ligação dos pacientes graves do interior do Estado até os grandes pólos, como Regiões do Cariri, Norte e Grande Fortaleza. Fora isso, tem uma importância grande na assistência à saúde direta, nos acidentes, agravos clínicos no ambiente pré-hospitalar. Hoje, é o maior do País.
Nilson Mendonça Filho
Superintendente do Samu Ceará

Até 2015, o Samu Ceará atendia 129 das 184 cidades cearenses. Hoje, cobre 183 delas, já que Fortaleza conta com Samu próprio, municipal. O número de bases do serviço quase dobrou, em 8 anos: eram 63, hoje são 121.

O superintendente elege a ampliação do número de unidades móveis – o Samu “bateu as metas” de atendimentos, mas nem todo município tem uma ambulância – e a capacitação dos profissionais como focos a serem adotados pela futura gestão estadual.

“Temos regiões com grande número de ocorrências: Região do Cariri demanda atenção grande, Região Norte também, porque tem vários municípios com áreas bem distantes. Região do Litoral também tem muita demanda, e o Sertão Central é estratégico e importante”, pondera Nilson.

Em 2016, se iniciou o uso de trombolíticos nas ambulâncias do Samu Ceará. Quase 1,7 mil pacientes já foram beneficiados. O medicamento desobstrui a artéria afetada por infarto, aumentando as chances de sobrevivência e reduzindo possíveis sequelas.

Aumento da transparência

Para dimensionar as necessidades de um Estado inteiro em áreas como a saúde, é preciso que haja levantamentos e acompanhamento para embasar decisões – daí a importância de ferramentas de transparência como o Integra SUS, criado em agosto de 2019.

“Esses dados são reunidos, analisados e disponibilizados para conhecimento da população e para auxiliar gestores em ações e políticas de saúde, o que foi fundamental para as iniciativas de combate à pandemia”, destaca a Sesa, em resposta enviada ao Diário do Nordeste.

A Pasta reforça ainda que a tecnologia “também garantiu mais acesso do cidadão ao sistema de saúde”, uma vez que em abril de 2020 houve a implantação do Plantão Saúde Ceará – antes Plantão Coronavírus 24 horas – para atendimento à distância.

66 mil
consultas online foram realizadas por profissionais de saúde, e outros 689 mil atendimentos foram feitos pelo BOT (sistema inteligente de respostas para o usuário), contabiliza a Sesa.

“Quando a gente tem transparência, além de a gestão ter noção para tomada de decisão mais assertiva, a gente consegue fazer com que o controle social seja mais efetivo, com a população tendo acesso às informações”, opina Magda Almeida.

Fome, saúde mental e outros desafios

Especialistas em saúde projetam que, em 2023, a OMS deve decretar o fim da pandemia de Covid, mas é certo que as consequências irreversíveis da crise mundial não têm previsão de acabar. O avanço da fome e o adoecimento mental são duas delas.

Para a médica Magda Almeida, a desnutrição e as carências nutricionais são problemas que “não faziam mais parte” do cotidiano de maneira tão forte e grave como agora, mas retornaram exigindo cuidados urgentes.

Essas carências causam doenças crônicas não transmissíveis, que tiveram muita agudização por falta, inclusive, de medicamentos, durante a pandemia. Falta insulina, medicamentos para hipertensão e diabetes, gerando agravamento e aumentando a pressão sobre o sistema de saúde.
Magda Almeida
Médica e professora do Dep. de Saúde Comunitária da UFC

Além disso, há os fatores econômicos, que incidem diretamente sobre o fluxo de pacientes no Sistema Único de Saúde, como contextualiza Magda.

“A pandemia não mexeu só com saúde em si. Há um aumento de procura ambulatorial na rede pública, de cirurgias. Muitas pessoas perderam seus planos de saúde e acabam sendo população-SUS-dependente: aumentamos o número de usuários, mas não temos capacidade instalada para atender”, reflete.

Já Sayonara Cidade, presidente do Cosems, aponta que gargalos na área de Regulação (setor que encaminha pacientes a serviços especializados) e na rede de atenção a pacientes com câncer são demandas ainda não solucionadas e que devem ter a atenção do futuro governo.

Ela lista o que, no contexto dos municípios, deve ser priorizado:

  • Acabar com a fila para cirurgias eletivas, que aumentou com a pandemia;
  • Fortalecer a vacinação;
  • Fortalecer o apoio à Atenção Primária;
  • Retomar a descentralização das unidades hospitalares, assistindo as regiões que têm essa fragilidade. 

Outros marcos da saúde pública do CE em 8 anos

  • Criação da Funsaúde – a Fundação Regional de Saúde foi criada em março de 2020, motivando concurso público que selecionou 6 mil profissionais. A entidade assumiu a gestão do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e do Samu Ceará.
  • Política Estadual de Incentivo Hospitalar – iniciada em janeiro de 2022 e coordenada pela Sesa, tem o objetivo de ampliar e facilitar o acesso da população aos serviços hospitalares por meio do aumento no repasse de verba estadual às cidades na área da Saúde. São cerca de R$ 500 milhões repassados por ano.
  • Programa Cuidar Melhor – lançado em 2021, consiste no aumento do repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) com base em indicadores de saúde como índices de mortalidade infantil, por doenças cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e por acidentes de trânsito. Os repasses saíram de R$ 175 milhões para R$ 525 milhões por ano.