Cuidadores profissionais vivem cotidiano de afeto e parceria com pacientes: 'Virou uma amizade boa'

"Ele é como um pai". É assim que Natanael Almeida, de 28 anos, descreve a relação com Pedro José*. Há quase oito meses, Natanael é cuidador de Pedro, internado na Casa de Cuidados do Ceará (CCC), equipamento público em Fortaleza que oferece atendimento multidisciplinar a pacientes com diagnósticos mais severos, liberando leitos da rede pública de saúde. 

Na unidade da Secretaria da Saúde do Ceará gerida pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH), regularmente os cuidadores de pacientes da rede pública estadual passam por cursos para aperfeiçoar o atendimento. 

Natanael participou de um dos cursos, em outubro último. Na ocasião, descreveu a rotina de cuidados com o paciente e como foi o primeiro contato. “Conheci ele no IJF (Instituto Doutor José Frota). Eu tava com meu tio. Faltava cinco dias para ir embora, quando a irmã dele me ligou e pediu para eu ficar com ele. Tô com ele até hoje", relembrou. Pedro José, de 51 anos, se internou após ser atropelado por uma moto ao sair de missa, na avenida 13 de maio, em Fortaleza. Estava indo comer um pastel na região. O acidente foi em dezembro de 2023 e ele está no CCC desde maio, cuidado por Natanael. 

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) considera a ocupação de cuidador na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) desde 2002. Em portaria, é definido que o trabalho é feito por aqueles que “cuidam de bebês, crianças, jovens, adultos e idosos, a partir de objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida”. Conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de agosto de 2019, no Brasil há 47 milhões de cuidadores, sendo eles profissionais, voluntários e familiares. 

‘Pessoa muito boa para mim’ 

Pedro é um dos 120 pacientes que estão se reabilitando no CCC. O local foi fundado em junho de 2021 para atender pacientes com sequelas de Covid-19 e segue em atividade com 140 leitos. Além de possuir uma equipe multidisciplinar, o equipamento tem o objetivo de prestar auxílio na desospitalização precoce de pacientes. 

 

Sem filhos, com o pai convivendo com Alzheimer, a irmã de Pedro José mora fora do Brasil e viu em Natanael a oportunidade de cuidados do familiar.  

Ele passa cerca de 15 dias morando com Pedro José e tira dois dias de folga. "Eu mesmo faço tudo. Banho ele, troco fralda... A minha folga é em 15 dias, mas meio que eu quero [continuar trabalhando]. Eu gosto de ficar perto dele", descreveu.  

Natanael recebe um salário mínimo pelo trabalho e todos os dias, por videochamada, conversa com a irmã de Pedro. "Ele é uma pessoa muito boa para mim", disse.   

'Virou uma amizade boa' 

André Alcântara, de 38 anos, diz que a rotina como cuidador de Jorge Alceu* é pesada, porém, reconhece que uma amizade inesperada surgiu na relação de trabalho. Ele iniciou os cuidados com o paciente após um amigo pedir: queria que André fosse responsável pelo irmão. Tornou-se a primeira experiência do soldador como cuidador.  

 

"Ele estava com dificuldade de encontrar uma pessoa porque não tinha quem quisesse vir passar noites e dias acordado. Eu vim devido à consideração ao irmão dele. Não conhecia ele. A gente fica direto a cada 15 dias, e aí tiro dois ou três dias [de folga], vou em casa e retorno. Virou uma amizade boa. A gente conversa bastante, anda, fica circulando direto na cadeira de rodas ou bengala", conta. 

Jorge Alceu deve receber alta em breve, mas irá continuar com os cuidados por alguns dias até se reestabelecer em casa. André recebe hoje da família cerca de R$ 450 por semana para ficar o paciente no CCC. 

'Cuidar abriu portas para mim' 

Para Carlos Henrique, de 25 anos, ser cuidador se tornou profissão ao auxiliar familiares. Ele foi responsável por cuidar da avó, do pai e da tia, que teve reabilitação na Casa de Cuidados do Ceará após uma cirurgia de hérnia malsucedida.  

"Tudo começou quando eu cuidava da minha vó, quando ela adoeceu. Depois que ela faleceu, a vontade [de ser cuidador] foi só aumentando. Um tempo depois, meu pai adoeceu também e faleceu faz um ano. A vontade aumentou mais ainda. Em menos de um mês, a minha tia teve uma hérnia estrangulada e foi internada às pressas. Então, passei mais tempo com ela no hospital, porque eu já tinha prática, já tinha mais paciência [...]. É como se eu fosse um filho para ela", diz. 

Após a realização do curso no CCC, Henrique relata que "portas se abriram" e hoje ele tem pacientes em diversas unidades hospitalares de Fortaleza, como Hospital Geral de Fortaleza (HGF), IJF e Frotinhas. "Trabalho onde tem plantão. Foi [graças ao] o curso daqui e a experiência que já estava tendo com ela", disse.    

Casa de Cuidados do Ceará 

A Casa de Cuidados do Ceará possui os seguintes objetivos: otimização dos leitos hospitalares; diminuição dos riscos de infecção; humanização no atendimento; assistência a familiares; além da promoção de transição do paciente para o domicílio e prevenção de novas hospitalizações. 

Samya Alves de Lima, enfermeira e analista de qualidade e segurança do local, explica que os pacientes recebidos tiram a sobrecarga de emergências, UPAs e grandes hospitais.  

"[O CCC] surgiu com uma ideia, que foi para receber pacientes com Covid. Hoje a gente consegue desospitalizar esse paciente, ofertando um leito ao paciente que está em cuidados agudos. Porque os pacientes que a gente tem aqui são pacientes crônicos, são pacientes que passaram por uma longa temporada no IJF, num pós-trauma, um pós-AVC", descreve.  

Ela ressalta que o local não é uma casa de apoio. "A gente não recebe só paciente idoso, a gente recebe um público bem jovem. Aqui é a partir de 18 anos", frisa. 

 

A analista explica ainda que o perfil de cuidadores no local é variado, indo desde familiares a profissionais. E, a cada 15 dias, eles são convidados para um curso de um dia. Há, ainda, um curso maior, com duração de 40 horas, voltado a cuidadores e acompanhantes do Serviço de Assistência Domiciliar (SAD) e da Unidade de Cuidados Especiais (UCE) do Hospital Waldemar Alcântara (HGWA) do Hospital Waldemar Alcântara (HGWA). A capacitação tem o objetivo de preparar o profissional em situações inerentes ao paciente dependente de cuidados especiais e evitar uma reinternação hospitalar. 

"É uma função deles, enquanto cuidadores, estarem participando desse treinamento. Para quando ele [paciente] for para sua residência, esse cuidador estar capacitado para dar esse atendimento de qualidade a ele em domicílio", diz Daniela Marinho, enfermeira e analista de educação permanente. 

Após o treinamento, muitos acompanhantes conseguem transformar a experiência pessoal em um trabalho formal. "A gente tem casos de cuidadores que o familiar infelizmente faleceu ou conseguiu ter uma boa recuperação e eles continuaram aqui na casa ofertando o serviço deles, enquanto cuidadores. Não só aqui, como fora. E com isso conseguem também até uma fonte de renda extra", destaca Samya. 

A Casa de Cuidados do Ceará possui uma média de permanência de 100 dias. Contudo, a equipe possui a meta de reduzir o tempo de permanência para 70 dias. Ao todo, há quinze médicos, 33 enfermeiros, 92 técnicos de enfermagem, 3 nutricionistas, 3 fonoaudiólogos, 14 fisioterapeutas, 4 assistentes sociais, 2 psicólogos e 2 terapeutas ocupacionais. 

O local recebe apenas pacientes encaminhados de outras unidades hospitalares estaduais.  

*Os pacientes dos cuidadores ouvidos nesta reportagem tiveram seus nomes trocados para preservar o anonimato.