Coach de trabalho, saúde, finanças e até casais: por que o serviço alcançou tantas áreas de atuação

Entre fãs e “haters”, atividade se expande em diversos nichos

“Emagreça e fique irreconhecível em 3 meses.” “Eleve seu casamento a outro nível.” “Aprenda a investir e chegue ao seu primeiro milhão.” As frases-promessas falam de distintas áreas da vida, mas saem de um lugar comum: perfis de prestadores de serviços de coaching.

De orientações sobre mercado de trabalho, passando por saúde até relacionamentos pessoais, os coaches já alcançam diversas áreas de atuação. Mas por que a atividade tem ganhado tanta projeção nos últimos anos?

O Diário do Nordeste conversou com especialistas para entender o que alguém precisa ter, afinal, para exercer o coaching, e como a sociedade é impactada por esses prestadores de serviço.

Bianca Cardoso Sales, coach, graduada em administração e mestre em psicologia, opina que o coaching passou a ser visto pelos profissionais como uma ferramenta a ser utilizada nas respectivas áreas – e, por isso, há hoje uma pluralidade de nichos.

“Um nutricionista, por exemplo, faz a formação em coaching pra usar as ferramentas na saúde. Já eu, que trabalho com mulheres, direciono meu trabalho, meus estudos e formações para os assuntos mais voltados a isso. É como na medicina: o médico se forma e faz as residências, se especializa”, ilustra.

O problema, por outro lado, é quando não há capacitação por parte de quem presta o serviço.

“O conhecimento técnico é muito importante, é algo intrínseco. Acho importante a experiência de vida, mas sempre aliada ao conhecimento e à ciência. Quem disse que a minha experiência de vida é a certa pra você? É perigoso, tem que estudar. Estamos trabalhando com vidas, é preciso ter responsabilidade”, avalia Bianca.

Ela faz questão, aliás, de diferenciar “coaching” de “mentoria”:

  • Coaching: “é uma ferramenta em que vou trazer o cliente para uma tomada de consciência de como a vida dele está hoje, e por meio de perguntas ele mesmo vai respondendo e tomando as decisões. São 10 sessões, com começo, meio e fim, diferente da terapia”.
  • Mentoria: “é um aconselhamento sobre algo em que já tive sucesso, e vou guiando a pessoa através dos passos que eu dei e deram certo. Mas sempre as decisões são do cliente”.

“Sou administradora, dou muitas palestras de cultura organizacional, porque tem a ver com a minha formação. Não precisa ser uma faculdade: existem muitas formações que não precisam ser acadêmicas. Há várias mais curtas”, complementa.

Bianca iniciou os estudos em coaching em 2015, após um divórcio. Além de graduação e mestrado, tem formação específica na área. “Comecei a aplicar na minha empresa e ver resultado. Fiz uma transição de carreira durante um ano e, enquanto fechava minha empresa, me tornei coach 100%”, lembra.

É uma ferramenta que aplicada por um profissional sério dá muito resultado. Mas o coach é coach: a gente não é psicólogo nem terapeuta. Quando a pessoa chega e tem uma patologia, a gente deixa claro que não vai atender. Acho que é isso que falta, os coaches terem essa responsabilidade. A ferramenta não é terapêutica.
Bianca Cardoso Sales
Coach

Para ela, a divergência de opiniões em torno da atuação dos coaches se dá “por ser uma profissão relativamente nova”. “Tudo o que é novo causa estranhamento. Eu já fui essa pessoa que falou mal, porque eu não conhecia e não tinha me submetido a um processo. O pior ignorante é aquele que fala sem conhecer.”

Mundo ‘pede’ coaches

Para Ana Cristina Barros, professora do Curso de Administração da Universidade Federal do Ceará (UFC) e mentora de carreira, foi a “necessidade preeminente de desenvolvimento profissional” que expandiu o coaching para tantos segmentos.

“Houve profissionais que se especializaram em ajudar pessoas a desenvolver as competências e habilidades, buscando formação em coaching para poder dar esse suporte com técnicas e métodos apropriados para orientação de carreira”, pondera.

Ela reflete que o chamado “mundo V.U.C.A” – da sigla em inglês para volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade – exige competências que os coaches podem “ajudar indivíduos” a desenvolver “para superar desafios pessoais e profissionais”.

A professora alerta, porém, que é preciso ter atenção com os tipos de coaches que se apresentam como prestadores desse serviço.

“É importante observar que nem todos são certificados e possuem o treinamento adequado. É fundamental escolher um coach com formação e credenciais reconhecidas para garantir uma experiência profissional e ética”, destaca Ana Cristina.

Além disso, ela reforça um ponto fundamental: “o coaching não é uma solução para todos os problemas. Problemas de saúde mental devem ser tratados por profissionais especializados, como psicólogos ou psiquiatras”.

O alerta é reiterado pela psicóloga clínica Cecília Alves, que aponta a “apropriação dessa prática por pessoas que não possuem preparo” como grande preocupação sobre o exercício do coaching.

O que vemos são pseudocientistas se apropriando de um lugar de saber, utilizando teorias vazias e duvidosas para gerar um impacto emocional nas pessoas e assim reforçar uma imagem de ‘autoridade intelectual’ naquele campo.
Cecília Alves
Psicóloga clínica

“A sugestão que eu deixo é: quando buscar um profissional mentor, olhe o currículo da pessoa, a formação, que cursos ela tem. Com a banalização das mentorias, vemos pessoas que não têm nenhum percurso na área aplicando métodos criados sem nenhum embasamento”, complementa Alves.

Coaching além do trabalho

Nas redes sociais, uma breve busca pelo termo “coach” resulta em perfis de diversos nichos de atuação. Para a psicóloga Cecília Dassi, que chegou a estudar técnicas de coaching mas desistiu de seguir na área, há papéis e segmentos em que coaches não deveriam atuar.

“Você quer aprender a se posicionar melhor no mercado de trabalho? Talvez, de fato, um mentor possa te ajudar. Mas na área de relacionamento, por exemplo, é muito mais provável que uma terapia te ajude nisso do que um coach”, pontua.

Há coisas que um coach poderia, sim, ajudar, num direcionamento mais específico sobre determinada área na qual tenha experiência e conhecimento. Mas precisamos prestar atenção no senso crítico na hora de buscar um profissional.
Cecília Dassi
Psicóloga

Dassi destaca que “ficar atento ao tipo de posicionamento, como a pessoa se vende, o que ela oferece e promete, se mantém uma ética nesse processo, se o que promete entregar é viável” é indispensável.